Número de refugiados na África cresce devido à crise humanitária
No maior campo de refugiados no mundo, Dadaab, localizado no Quênia, vivem aproximadamente 440 mil pessoas e cerca de 1.500 novos refugiados chegam diariamente. Essa população parte em busca de comida e foge da pior seca dos últimos 60 anos.
Apesar do Direito Internacional Humanitário (DIH) atender às necessidades dessas vítimas, a Organização das Nações Unidas (ONU) resiste em ampliar o conceito de refúgio e englobar os refugiados ambientais, já que não reconhece “os fatores ambientais como motivação por si só para a concessão desse status”. A organização ressalta que “não há direitos formalmente garantidos para essa nova categoria, que ainda não é reconhecida pelo Direito Internacional”.
Especialistas alertam que esta “lacuna jurídica” envolvendo os refugiados ambientais favorece a imigração ilegal, o tráfico internacional de pessoas e o aliciamento para atividades criminosas.
O que mais revolta a população africana é o fato de que toda essa crise humanitária poderia ter sido evitada, pois os projetos criados para solucionar o problema da seca nunca foram implementados e o dinheiro nunca apareceu. “Chegando ao acampamento, o que se descobre é que não foi a falta de chuva que gerou as milhares de mortes, mas a falta de infra-estrutura para irrigar a terra”, afirmou o jornalista Jamil Chade. Atualmente, dois milhões de pessoas passam fome na região, incluindo as nações vizinhas, Djibuti, Etiópia, Quênia, Somália e Uganda.
De acordo com a Convenção de 1951, refugiados são pessoas que se encontram fora do seu país devido a fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possam - ou não queiram - voltar para casa. Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar os indivíduos obrigados a deixar sua região por conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos Direitos Humanos. Vale lembrar que essa condição jurídica só pode ser dada por outro país.
Historicamente, a Convenção de 1951 foi ligada ao fenômeno dos refugiados originários da Segunda Guerra Mundial, visto que havia uma limitação geográfica. Ela focalizava mais a realidade da Europa e previa ações para atender as necessidades das vítimas naquela região. Em 1967, a Convenção foi emendada por um Protocolo que quebrou essa barreira e estendeu os seus preceitos e as suas definições para todo o mundo.
O refúgio é uma medida extrema para tentar ajudar os que sofrem qualquer tipo de violação, por isso, este indivíduo tem direito a ser acolhido em local seguro. Contudo, a proteção internacional abrange mais do que a segurança física. Os refugiados devem usufruir, pelo menos, dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que qualquer outro estrangeiro residindo legalmente no país, incluindo direitos fundamentais, que são inerentes a todos.
A fim de esclarecer esse tema, o assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Gabriel Valladares, concedeu entrevista coletiva para os alunos do “10º Curso de Informação sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado e Outras Situações de Violência” e explicou que o DIH é um conjunto de regras que protege os civis e as pessoas que não mais participam das hostilidades, além de restringir os meios e métodos de guerra. “O direito sempre chega depois de um fato, ou seja, as normas e leis aparecem após um episódio de violência”, completou o assessor.
De acordo com Marijane Vieira Lisboa, professora de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), não significa que a ONU não reconheça a existência de uma categoria com status de refugiado em função de questões ambientais. O problema consiste em o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) não ter em seu mandato autorização para prestar ajuda a esse tipo de vítima. “Isso significa que não há recursos específicos para a ONU e, como esse é um grupo que tende a aumentar devido às mudanças climáticas e outros impactos ambientais, nós estamos, do ponto de vista de uma estrutura internacional, despreparados para lidar com essa categoria que cresce.”
No entanto, foram os eventos ambientais mais recentes que despertaram a atenção da comunidade internacional e da mídia em torno da temática desses refugiados, como o tsunami na Indonésia (2004), o furacão Katrina nos Estados Unidos (2005), o ciclone Nargis em Mianmar (2008) e os terremotos no Haiti, Chile e China (2010).
“Há, inclusive, discussões dentro da ONU sobre se isso (a situação das vítimas de desastres ambientais) deveria ser uma função do Acnur ou se deveria ser criado outro órgão para ele. Porque, sem dúvida, do ponto de vista da questão política que caracteriza o refugiado político, a temática é bem diferente do refugiado ambiental”, concluiu Marijane Lisboa.
O problema cresce
Segundo estudo da Universidade das Nações Unidas (UNU), o mundo tem 50 milhões de pessoas obrigadas a deixar seus lares, temporária ou definitivamente, por problemas relacionados ao meio ambiente. Uma conta que inclui não somente as vítimas de grandes desastres, mas também comunidades inteiras que estão sendo silenciosamente impelidas a migrar devido a problemas como a degradação de solos e águas.
Estimativas do CICV, por sua vez, mostram que hoje já há mais pessoas deslocadas por desastres ambientais do que por guerras.
A severa seca, somada a um índice pluviométrico abaixo da média em grande parte do sul e do centro da Somália desde a última estação chuvosa, que ocorreu de setembro a novembro de 2010, atingiu uma população exausta por anos de conflito armado, períodos de esterilidade do solo e crises econômicas.
A resposta humanitária não é suficiente diante de tantas necessidades. O CICV é uma das poucas organizações internacionais a trabalhar nessas áreas. Além disso, se soma às dificuldades a ausência de organizações humanitárias, muitas das quais tiveram de interromper suas atividades no sul da Somália desde o início de 2009 devido às limitações pela falta de segurança e restrições impostas pelas autoridades.
A falta de capacidade de adaptação dos países menos desenvolvidos, que são os mais vulneráveis, acaba potencializando os efeitos dos problemas ambientais. Dessa forma, em parceria com o Crescente Vermelho Somali, o CICV distribui comida, material de abrigo, utensílios de cozinha, roupas e cobertores para milhares de pessoas no país. A organização também fornece água e cuidados médicos primários.
O Acnur tem levantado, constantemente, a importância e a necessidade de que o mundo se abra para acolher os refugiados. Contudo, após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, e de 11 de março de 2004, em Madri, muitos países têm construído barreiras e políticas mais restritivas para o recebimento dessas pessoas. A reversão deste processo é um desafio e uma necessidade. Na América Latina, por exemplo, há iniciativas que apontam para posturas mais humanitárias e solidárias.
Refúgio no Brasil
O Brasil também recebe refugiados de diversas partes do planeta. Segundo dados de outubro de 2010, vivem no país 4.306 refugiados de 75 diferentes nacionalidades. Dos quais 3.911 são reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade e 395 pelo Programa de Reassentamento. A maior parte deles encontra-se em São Paulo e Rio de Janeiro.
Como cada país adota uma legislação própria e define direitos específicos, a legislação brasileira sobre refúgio é considerada, pelas Nações Unidas, como uma das mais modernas, abrangentes e generosas do mundo. Uma prova disso é o Brasil ser um dos países da América Latina que mais tratados ratificou.
Para Pietro Alarcón, professor de Direito da PUC-SP e membro da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, o Brasil sempre teve um papel pioneiro e de liderança na proteção internacional dos refugiados. Foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, no ano de 1960. Foi ainda um dos primeiros integrantes do Comitê Executivo do Acnur, responsável pela aprovação dos programas e orçamentos anuais da agência.
Em 1997, a lei 9.474 criou o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão encarregado de tomar decisões em matéria de refúgio. É ele que reconhece essa condição no Brasil. “A política brasileira com relação ao refugiado não é uma política conjuntural de Governo, é uma política de Estado e o Conare, talvez, represente isso”, finalizou o professor.
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