Em duas décadas, as geleiras argentinas perderam, em média, entre 10% e 15% de sua superfície.
Buenos Aires, Argentina, 13 de setembro (Terramérica).- As geleiras argentinas, junto com as do Chile, as mais extensas da América do Sul, sofrem os danos da mudança climática enquanto se ergue sobre elas a ameaça da mineração e dos grandes projetos de infraestrutura viária. Uma lei para protegê-las foi novamente adiada. As geleiras são imensas reservas de água doce, vitais para alimentar rios, lagos e lençois freáticos. Contudo, o aumento da temperatura do planeta está reduzindo sua capacidade de cumprir essas funções.
“A mudança climática é a causa principal da retração, bem como a indústria do petróleo, a mineração em grande escala, o turismo de alto impacto e as obras de infraestrutura”, disse ao Terramérica o especialista em geleiras Ricardo Villalba, diretor do estatal Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla). Entre 1984 e 2004, o retrocesso das geleiras em oito áreas estudadas foi, na média, de 10% a 15%, acrescentou.
Em alguns casos, a perda é maior, como na geleira Upsala, na austral província de Santa Cruz, que diminui de forma acelerada. É a segunda maior da América do Sul, com superfície de aproximadamente 870 quilômetros quadrados. Outras geleiras são mais estáveis ou mesmo aumentam, como a Perito Moreno. Ambas alimentam o Lago Argentino.
Especialistas do Ianigla e de organizações ecologistas promoveram uma lei para preservar estas massas de gelo, que foi aprovada pelo Congresso em 2008, mas vetada pela presidente Cristina Fernández, que considerou “excessiva” uma proibição prevista de atividades produtivas nesses gelos. Após esse fracasso, a Câmara de Deputados votou, no mês passado, um novo texto, que seria submetido a debate no Senado no dia 8, mas os senadores decidiram adiar para o dia 30.
A maior resistência parte de legisladores de províncias mineradoras, como San Juan e La Rioja, no oeste do país. O texto do novo projeto “é melhor” do que o anterior, segundo o ativista Hernán Giardini, do capítulo argentino do Greenpeace, pois estabelece que “as geleiras constituem bens de caráter público”. A iniciativa “protege o recurso, restringe atividades que ameaçam as geleiras e exige um inventário com informação necessária para a adequada proteção e monitoramento” desses gelos, acrescentou Hernán ao Terramérica.
Além disso, proíbe qualquer atividade que implique “destruição ou traslado” de geleiras, e “em particular” aquelas que representam o uso de substâncias contaminantes e produtos químicos, ou geração de resíduos, e fixa severas punições para os infratores. O projeto estabelece a criação de um inventário nacional de geleiras, uma ferramenta importante, que ficaria nas mãos dos especialistas do Ianigla. Se a lei for promulgada, o Instituto terá autoridade para dar autorização a cada iniciativa produtiva ou de infraestrutura.
Assim, projetos polêmicos como o de Pascua Lama – uma mina de ouro a céu aberto em território chileno e argentino, a cargo da empresa canadense Barrick Gold – seriam submetidos à auditoria do Instituto e poderiam ser suspensos na falta de garantias de preservação das geleiras. Pascua Lama está em uma área de gelos que inclui a região chilena de Atacama e a ocidental província argentina de San Juan.
Com investimento previsto entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões, a empresa estima que vai explorar por 21 anos a mina, que conta “com reservas comprovadas de 17,8 milhões de onças de ouro e 718 milhões de onças de prata”, segundo o site da companhia. As obras já estão em andamento e a previsão é que a produção começará em 2013. O processo de aprovação enfrentou árdua resistência de produtores rurais do lado chileno. Ambientalistas e agricultores da região baixa do vale na Argentina também são contra, pois as operações podem acelerar o derretimento dos gelos, e o cianureto usado para precipitar o ouro pode contaminar a água.
Outra iniciativa questionada em áreas de gelo é o projeto viário dos túneis de Água Negra, na passagem fronteiriça de mesmo nome, que perfuraria a Cordilheira dos Andes entre Argentina e Chile a quase cinco mil metros de altitude, para completar o corredor viário entre o porto chileno de Coquimbo, no Pacífico, e a cidade brasileira de Porto Alegre, no Atlântico.
Estas iniciativas situam-se na região centro-ocidental de Cuyo, onde o retrocesso de geleiras é mais crítico do que nos Andes Patagônios, e a água doce é um recurso escasso, diz o estudo “Mudança climática: futuro negro para as geleiras”, publicado em agosto de 2009 pelo Greenpeace. Ali a agricultura e a geração hidrelétrica dependem do serviço proporcionado pelas geleiras. Durante as últimas décadas, o aquecimento global e, em algumas áreas, “menos precipitações”, fizeram “retroceder quase todas as geleiras dos Andes Patagônios”, afirma o documento. Ricardo disse que as geleiras também são cruciais para proteger sistemas de alta montanha, fornecer energia elétrica e como atrações turísticas.
Um exemplo é o Parque Nacional Los Glaciares, declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1981. Ali se encontram o Campo de Gelo Patagônio, que alimenta 47 grandes geleiras, e mais de 200 outras independentes e menores. Também ficam ali o Upsala e o majestoso Perito Moreno, que no primeiro semestre deste ano recebeu 290 mil turistas. Seus visitantes contribuem com 44% de toda a arrecadação com turismo feita pela Administração de Parques Nacionais.
Marcela Valente
* O autor é correspondente da IPS.
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=80741&edt=
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