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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Biopiataria separa o Norte do Sul

A biopirataria é motivo de enfrentamento entre o Norte e o Sul, apesar de 2010 ter sido declarado Ano Internacional da Diversidade Biológica. Além disso, estão se completando 17 anos da adoção do Convênio sobre a Diversidade Biológica, na Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

Pesquisadores e ativistas chamam de biopirataria o “roubo de recursos genéticos”, isto é, quando as corporações sustentam “monopólios privados rentáveis mediante a reclamação de patentes sobre genes, plantas e conhecimentos afins, originários da África”, segundo o Centro Africano de Biossegurança, com sede na África do Sul.

A 10ª Reunião do Convênio sobre a Diversidade Biológica, que acontecerá de 18 a 29 de outubro na cidade japonesa de Nagoya, tratará do novo regime internacional do acesso a recursos genéticos e da divisão dos benefícios, proposto pela primeira vez em 2002. A controvérsia sobre o direito de propriedade não é nova.

A gigante farmacêutica Bayer apresentou, em 1995, uma patente para produzir Glucobay, uma droga usada para tratar diabete tipo 2, fabricada a partir da cepa de uma bactéria que encontrada na localidade queniana de Ruiru. Por sua vez, sua concorrente, Merck, patenteou em 1996 um antimicótico identificado nas fezes da girafa, na Namíbia. Além disso, a empresa canadense Biotech reclamou direitos sobre sementes de gengibre que curandeiros do Congo utilizam há muito tempo para tratar a impotência. E a lista é longa.

“O problema é que não existe um sistema de controle da biopirataria”, disse Krystyna Swiderska, especialista do Instituto Internacional para Desenvolvimento e Meio Ambiente, com sede em Londres. “De tempos em tempos, organizações não governamentais realizam campanhas e denunciam um caso particular, mas é difícil saber com que assiduidade ocorre a biopirataria ou como ela afeta os laboratórios, os medicamentos à base de ervas, as sementes, os alimentos ou os processos industriais”, explicou.

O problema não se concentra na África, mas “comunidades como as deste continente possuem conhecimentos tradicionais, seja em matéria de medicamentos ou de variedades de cultivos”, afirmou Krystyna. As corporações do Norte reclamam direitos exclusivos no uso de ingredientes ou em processos identificados e criados há muito tempo por curandeiros tradicionais. As comunidades africanas não têm leis nem contexto institucional que protejam seu conhecimento.

O Convênio sobre a Diversidade Biológica, assinado por 192 países, se propõe a assegurar uma divisão justa e equitativa dos benefícios proporcionados pelos recursos genéticos. A maioria dos Estados ratificou o tratado. “O problema é que muitos desses recursos já foram coletados e estão em bancos genéticos ou jardins botânicos do Norte. Até ser emitida a patente comercial é difícil saber o que acontece”, destacou Krystyna.

Sete possíveis novos casos de biopirataria foram identificados pelo Centro Africano de Biossegurança, incluindo países como Etiópia e Madagascar, no informe “Pirateando o Patrimônio Africano”, de 2009. Os recursos afetados incluem vírus identificados no sangue do povo camaronês baka e que agora “é reclamado pelas corporações como propriedade intelectual exclusiva”. O dano é difícil de ser medido, explicou Krystyna, mas “as estimativas econômicas costumam ser feitas com base no volume dos mercados de produtos naturais, que é enorme”.

São muito poucos os casos em que indígenas e empresas chegam a um acordo para compartilhar os benefícios. A maioria das comunidades criou e usa certos recursos genéticos há séculos e nunca participaram dos lucros. “Os países africanos podem estar perdendo enormes lucros”, prosseguiu Krystyna.

É infame o caso do cacto de Hoodia, utilizado por gerações do povo san para diminuir o apetite no deserto do Kalahari, na África do Sul. Os direitos sobre sua comercialização foram vendidos ao laboratório Pfizer, com sede em Nova Iorque, que fabrica produtos para emagrecimento. Após anos de disputa, chegou-se a um acordo para que os san recebam sua parte, estimada em apenas 0,003% das vendas no varejo, segundo o Centro Africano de Biossegurança.

O mais próximo de um êxito foi a revogação da patente de um tipo de gerânio sul-africano, o pelargonium, sobre o qual uma empresa alemã reclamava direitos de propriedade exclusivos para fabricar xarope contra a tosse. “A segunda parte da história deveria ser que o conhecimento tradicional seja reconhecido e aceito como atores”, afirmou Mariam Mayet, diretora do Centro Africano de Biossegurança. “Os governos devem obrigar as companhias a assinarem acordos para compartilhar os benefícios com comunidades tradicionais”, acrescentou.

“O problema é que o Convênio sobre a Diversidade Biológica estipula o compartilhamento dos benefícios dos novos recursos genéticos, tão logo entre em vigor. Não se aplica ao que aconteceu antes, mas a maioria das apropriações aconteceu nos últimos 200 anos”, explicou Krystyna. “O sistema protege a inovação individual mediante tratados e convênios, mas não há nada vinculante sobre o conhecimento tradicional”, insistiu.

Krystyna espera que na 10ª reunião do Convênio sobre a Diversidade Biológica mude o regime internacional sobre o acesso a recursos genéticos e o intercâmbio de benefícios e inclua o conhecimento tradicional. Porém, os países do Norte se “opõem de forma terminante” a incluir este aspecto, o que supõe outra dura batalha para o Sul no âmbito internacional.

http://www.institutocarbonobrasil.org.br/?id=725929

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