O Brasil, que está para reformar seu Código Florestal, pode aprender lições com a revisão da Rússia da sua lei florestal de 2007, diz uma dupla de cientistas russos
O Senado brasileiro aprovou recentemente um projeto de lei que abranda algumas disposições florestais impostas a proprietários de terras. Ambientalistas criticaram o movimento, argumentando que o novo Código Florestal – desde que não seja vetado pela presidente brasileira Dilma Rousseff no próximo ano – pode minar o progresso do país na redução do desmatamento.
Baseados na recente experiência da Rússia, os cientistas Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva afirmam que pode haver uma justificativa para a preocupação.
Embora uma lide com florestas tropicais e a outra com florestas boreais, ambas as nações administram algumas das maiores áreas florestais do mundo, e uma implantou mudanças em larga escala – a Rússia – enquanto a outra – o Brasil – está na iminência de fazê-lo.
No começo de 2007, o novo Código Florestal da Rússia entrou em vigor. O novo código foi concebido para mudar o controle sobre as florestas do governo federal para os governos regionais. O desenvolvimento pode ocorrer agora sem qualquer Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), e as florestas são vistas principalmente como commodities, em vez de ecossistemas.
“O código florestal foi criado para tirar o poder sobre as florestas dos antigos ‘donos’ (os funcionários que herdaram o controle florestal da União Soviética) e dá-lo aos novos empresários russos que se organizaram no final dos anos 90. Diz-se que membros da nossa atual elite política tiveram parte em algumas das maiores companhias florestais do começo dos anos 90. Nem os antigos nem os novos gestores realmente se importavam com a conservação florestal, mas em termos comparativos os antigos eram melhores”, declararam ao mongabay.com os cientistas russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, que se opõem abertamente às mudanças.
A transição entre o antigo Código Florestal e o novo se mostrou difícil na Rússia, já que muitas questões foram deixadas vagas na nova lei, permitindo o que Gorshkov e Makarieva descrevem como uma política florestal sem regras.
“Na prática, [o Código Florestal Russo] passou a significar que todos poderiam derrubar qualquer coisa sem ter responsabilidade sobre as consequências ou sobre sustentabilidade. [...] O caos que se seguiu quando essa lei inexperiente foi adotada causou um grande aumento na extração ilegal de madeira. [...] A Rússia norte-europeia foi afetada mais severamente, porque tem um sistema de estradas melhor do que a Sibéria”, disseram Gorshkov e Makarieva.
Durante os planos para decretar a legislação do Código Florestal, Gorshkov e Makarieva, ambos do Instituto de Física Nuclear B.P. Konstantinov, de Petersburgo, escreveram duas cartas abertas ao governo “alertando contra o novo código florestal”. Gorshkov e Makarieva são os autores de uma teoria revolucionária e controversa de que as florestas agem como uma bomba para a precipitação, trazendo as chuvas dos litorais para o interior dos continentes. De acordo com eles, são as florestas, e não as temperaturas, que conduzem o vento, devido à condensação. Embora essa teoria tenha tido muita rejeição por alguns meteorologistas, também despertou interesse entre conservacionistas e outros cientistas.
Em suas cartas ao governo, os pesquisadores alertaram que “uma maior exploração florestal interromperia o ciclo hidrológico na Rússia e previram secas drásticas, entre outros extremos climáticos”.
Três anos depois da implementação do Novo Código Florestal da Rússia, uma onda de calor recorde, secas e incêndios atingiram a Rússia, deixando Moscou sob uma capa de fumaça, consumindo um quinto da colheita de trigo mundialmente importante da Rússia, e provavelmente matando milhares de pessoas.
Para alguns, pareceu que os alertas de Gorshkov e Makarieva se tornaram realidade, fazendo com que os dois físicos lembrassem Cassandras modernas, a profetiza troiana que estava sempre certa e foi condenada a ser ignorada.
“Quando em 2010 a onda de calor desastrosa atingiu a parte europeia do país, nossas cartas foram muito citadas na internet. Estamos convencidos de que as anomalias climáticas na Europa são causadas pelo desmatamento russo massivo, que alterou o fluxo de umidade normal de oeste para leste, do Atlântico para a Eurásia”, afirmaram Gorshkov e Makarieva.
Ainda assim, as causas por trás da onda de calor recorde estão sob debate: dois estudos recentes conflitam sobre o papel que as mudanças climáticas podem ter tido na onda de calor e na seca.
Mas uma questão que não é controversa é como o novo Código Florestal da Rússia reduziu a gestão de incêndios durante os desastres de 2010. A responsabilidade por administrar os incêndios florestais passou do governo federal para os governos regionais, mas poucos deram conta.
“Não haviam órgãos preparados para prevenir o alastramento [dos incêndios]. Como resultado, perdemos vidas, propriedades e uma grande área florestal foi danificada”, declararam Gorshkov e Makarieva.
No caso da Rússia, o relaxamento da regulamentação das florestas levou à destruição em larga escala, uma situação que se tornou pior por causa de uma lei vaga, que fazia pouca referência aos direitos públicos e da comunidade sobre as florestas. Além disso, as pessoas tiraram vantagem da incerteza para cortar florestas por lucros de curto prazo. Embora lá a regulamentação específica seja diferente, o Brasil observou em março um grande aumento repentino no desmatamento amazônico, o que muitos analistas ligaram à mera possibilidade do novo Código Florestal se tornar uma lei, embora o desmatamento tenha diminuído no total do ano.
Dada a experiência da Rússia, é preciso perguntar: se o novo Código Florestal se tornar lei, como o Brasil controlará quem levaria vantagem sobre a incerteza temporária do governo?
Uma questão mais fundamental poderia ser: esse é o momento para relaxar as regulamentações na Amazônia ou fortalecê-las? Gorshkov e Makarieva argumentam através de sua teoria que a atual perda da floresta tropical amazônica levará a secas generalizadas, um problema que já atormentou a Amazônia nos últimos anos.
“Em relação às consequências de um desmatamento maior no Brasil, o conceito de bomba biótica prevê flutuações drásticas e uma instabilidade crescente no ciclo hidrológico, com uma tendência à desertificação. Estudos recentes (por exemplo, Espinoza et al. 2009) confirmam o declínio da precipitação na bacia amazônica, o que se manifestou particularmente desde o começo dos anos 80. Seguindo essa tendência, a bacia amazônica observou muitas secas excepcionais de 1998 a 2010”, disseram eles.
Muitos ambientalistas avisam que isso pode se tornar pior: o WWF estima que o Código Florestal revisado reduzirá a cobertura florestal no Brasil em 76,5 milhões de hectares, uma área maior do que o Texas. Tal perda pode ser devastadora para fontes de água doce, biodiversidade e povos indígenas. Mas segundo Gorshkov e Makarieva, também acentuará as condições de seca, e talvez prejudicará todo o ecossistema amazônico e deixará a agricultura do Brasil desamparada.
Traduzido por Jéssica Lipinski
http://www.institutocarbonobrasil.org.br/?id=729277
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