Especialistas reunidos em Florianópolis debateram o futuro das fontes renováveis, a necessidade de grandes projetos como a usina de Belo Monte e a adoção de novos modelos para incentivar a democratização do acesso à eletricidade.
As energias renováveis têm seu futuro garantido no Brasil, sendo que os pequenos projetos serão os mais interessantes, pois se beneficiarão de políticas de geração descentralizada e tarifas feed-in. Esta foi uma das conclusões a que chegaram representantes de ONGs, empresas e de órgãos do governo federal que estiveram em Florianópolis nesta semana discutindo o panorama e futuro das renováveis no seminário “Energia Limpa: Conhecimento, Sustentabilidade e Integração”, promovido pelo Instituto Ideal.
“As fontes alternativas deveriam buscar o 'micro' e participar do mercado através da geração descentralizada de energia. O desenvolvimento das redes elétricas inteligentes (smart grids) está acontecendo no país e já temos exemplos de pequenos criadores de suínos no interior do Paraná lucrando com biodigestores”, explicou Cícero Bley, superintendente de Energias Renováveis da Itaipu.
Para Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de energia do Greenpeace Brasil, falta uma melhor estrutura regulatória para o desenvolvimento das energias limpas. “O Brasil possui um enorme potencial, principalmente solar e de biomassa, mas não existe um ambiente propício para a multiplicação de novas iniciativas. Cabe ao governo dar o suporte necessário para que sejam feitos mais investimentos no setor.”
Entre os especialistas presentes no evento, pareceu ser um consenso de que as energias renováveis irão de um jeito ou de outro aumentar sua participação no Brasil, mas o papel do governo ainda causa divergências, principalmente com relação às políticas de subsídios.
“Todos os países que estimularam o setor de energias limpas com subsídios hoje enfrentam problemas. Crises econômicas fazem que essa ajuda diminua e as empresas de renováveis, muitas vezes sem capacidade de competir, fiquem à beira da falência. É o caso da Espanha e Portugal”, disse Bley.
Panorama atual
O Brasil vem crescendo rapidamente e isso faz com que a demanda por eletricidade fique ainda mais voraz. Essa é a principal razão para que o governo opte por grandes projetos como as hidroelétricas na Amazônia.
Segundo Américo Tunes, diretor de Florestas e Vice-Presidente do IBAMA, o Brasil está muito à frente da maioria dos países, ricos e em desenvolvimento, na questão da geração de energia limpa. Considerando as hidroelétricas como renováveis, o país possui 48% de sua matriz energética com essa qualidade, contra uma média mundial de 13%.
“Existe um discurso muito ruim para o desenvolvimento do país que quer transformar o Brasil em um vilão global e isto não é verdadeiro”, afirmou Tunes.
Bley concorda com essa posição e diz que seria péssimo se o Brasil deixasse passar esse bom momento econômico sem melhorar as condições de vida da sociedade. “Milhões de pessoas estão começando a usufruir os benefícios de terem energia em casa, como um chuveiro elétrico e geladeira. Seria desumano parar esse movimento de democratização por causa de paradigmas como uma noção abstrata de 'sustentabilidade'.”
Com essa postura, o superintendente de Energias Renováveis da Itaipu quis passar que o desenvolvimento social não pode ser vítima de um conceito que por si só ainda não é ‘sólido’. Segundo ele, não há país no mundo que possua uma geração tão limpa que possa criticar o Brasil e que a sustentabilidade também deve passar pela melhora da condição de vida das pessoas.
O vice-presidente do IBAMA justificou a necessidade da construção de Belo Monte e que a usina está sendo criticada por causa de uma guerra de interesses. “A eficiência de Belo Monte – a relação entre a área alagada e a geração de energia – está entre as melhores do mundo. Muito se fala nos povos indígenas, mas nenhum índio terá que sair de suas terras e os ribeirinhos que precisam ser retirados receberão casas de alvenaria que são muito melhores que as atuais palafitas onde vivem. Muita mentira está sendo dita sobre Belo Monte porque alguns grupos empresarias e de mídia não tiveram seus interesses atendidos.”
Para o Greenpeace, a situação é muito complexa e deveria ter sido discutida com antecedência. Além disso, os impactos de uma hidroelétrica do porte de Belo Monte são impossíveis de serem calculados. “Ninguém questiona que o Brasil precisa de energia, mas a escolha dos projetos deveria ser mais transparente e contar com a participação da sociedade. É necessário que planos de longo prazo, que aí sim possam favorecer as energias limpas, sejam elaborados”, disse Baitelo.
Sobre um maior debate e as consequências dos projetos, Tunes fez um desabafo. “O IBAMA está cumprindo um papel para o qual não foi criado e está tendo que analisar os impactos sociais dos projetos. Portanto, hoje estamos emitindo licenças que vão além das questões de meio ambiente. É preciso rever os procedimentos para que as licenças sejam realmente sócio-ambientais”, declarou.
A necessidade de expandir a geração de energia no Brasil é um consenso e os especialistas afirmam que é hora do governo decidir pelos modelos que irão guiar esse crescimento.
“A construção das hidroelétricas é necessária hoje, até para atender os grandes eventos dos próximos anos, a Copa do Mundo e as Olímpiadas. Mas é possível já se planejar para as décadas que virão e nessa tendência eu aposto em geração descentralizada com múltiplas fontes renováveis, eficiência energética e em hidroelétricas mais modernas sem a necessidade de grandes áreas alagadas”, afirmou Bley.
Outro consenso entre os especialistas é que a opção nuclear deveria ser descartada de uma vez pelo Brasil. “Nosso país não precisa das usinas nucleares, temos um grande potencial eólico, solar e de biomassa. Até hoje não se inventou uma maneira segura de se lidar com o lixo atômico e mesmo que improvável, um acidente qualquer em uma usina toma proporções gigantescas. O desastre no Japão está aí para nos lembrar disso”, salientou Baitelo.
Para Tunes, também seria hora de repensar o modelo privado de geração de energia. “Questões como a exploração econômica da eletricidade, patentes de novas tecnologias e democratização devem ser reavaliadas. A eletricidade é um bem que todos devem ter acesso e não algo para ser motivo de especulação e lucro.”
Quem conclui bem esse assunto é Regina Migliori, consultora em Cultura de Paz da Unesco e coordenadora do Núcleo de pesquisas do Cérebro e da Consciência vinculado ao Instituto Migliori, que afirma que até pouco tempo atrás a discussão sobre modelo energético era um segredo de Estado e que se pensar em desenvolvimento sustentável era coisa de hippie.
“A abertura que temos hoje só pode ser positiva e levará a uma melhora na situação geral. A responsabilidade é também da sociedade, que deve adotar um consumo mais sensato da eletricidade e cobrar do governo o estabelecimento de modelos mais adequados para o país”, explicou Regina.
Autor: Fabiano Ávila - Fonte: Instituto CarbonoBrasil
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