A segunda reportagem sobre as hidrelétricas nos rios do Pantanal mostra as obras que estão sendo planejadas para a região nos próximos anos. Tonico Ferreira e Hélio Gonçalves mostram os prós e os contras de se construir usinas num ambiente de harmonia tão rara.
O Pantanal vive dos rios que descem do Planalto Central do Brasil. A água se espalha pela planície em riozinhos – chamados corixos – baías e lagoas, antes de escoar para o Rio Paraguai. E é essa água, que passa devagar pela região, proporciona a abundância de vida no Pantanal.
A passagem da água pelo Pantanal é lenta por uma razão: ele é praticamente plano. Em uma distância de um quilômetro na direção norte-sul, o declive é de três a cinco centímetros apenas.
Quando chove nas cabeceiras dos rios, o Pantanal enche. Na estiagem, ele seca. Essa é a dinâmica natural, diz um fazendeiro de antiga família pantaneira.
“O que é a vida do Pantanal? É o que chamam de pulso. E o que é o pulso? É a variação entre a seca e a cheia. Então, quanto mais pulsa, quanto mais varia, melhor”, explica o pantaneiro Armando Arruda Lacerda.
As hidrelétricas planejadas para região podem mudar essa característica? O pantaneiro acha que sim. Ele teme pela sobrevivência dos peixes do Pantanal.
“É o grande berçário. Se você descer aí embaixo, você vai ver que é um berçário, você vai ver todas as espécies de peixes. E é isso é o que vai realimentar toda a indústria do turismo de pesca”, conta o pantaneiro Armando Arruda Lacerda.
A reportagem mostra como é esse criatório, esse berçário de peixes, com a ajuda do Juca, um cinegrafista especializado em imagens subaquáticas.
O corixo não é fundo e, provavelmente, fica seco durante parte do ano. Quando enche, os peixinhos encontram todos os alimentos de que precisam para crescer. É um aquário: corimbatás, piaus, piraputangas, lambaris, piranhas, cascudos e uma arraia que, com astúcia, tenta se esconder.
Quando adultos, os peixes criados na região sobem os rios para a área de reprodução. Só não chegam lá quando encontram obstáculos: uma cachoeira alta ou uma usina.
Uma das hidrelétricas em estudo fica no Rio Coxim, um dos melhores pontos de pesca de Mato Grosso do Sul. O marco mostra onde o rio seria cortado pela barragem.
Se a usina for aprovada, o reservatório vai cobrir a Cachoeira dos Quatro Pés. O pescador Tião está revoltado.
“Tudo isso debaixo d’água vai virar uma represa de 300 a 400 hectares. Todas essas pedras aqui vão pegar a inundação. Vai pegar uns 15 km, 20 km pra cima”, lamenta o pescador Sebastião Sérgio de Souza.
Inscrições da época colonial ficariam no fundo do lago. Elas foram feitas por desbravadores que saíram de São Paulo e conquistaram terras que eram da Espanha.
“Os portugueses deixaram um sinal, marcaram território, fincaram a sua bandeira, para que hoje nós fossemos, nós somos Brasil, mas fossemos Brasil de Portugal”, explica o guia de turismo Ariel Albrech.
Um engenheiro acha que o custo ambiental não compensa os benefícios.
Das 62 hidrelétricas previstas para os próximos nove anos na região do Pantanal, só uma é de grande porte. As outras são pequenas centrais com produção irrisória. Se todas forem construídas, irão contribuir com apenas 1,33 % da energia hidrelétrica gerada no país. E o período em que elas mais produzem é exatamente quando grande parte das usinas brasileiras estão com os reservatórios cheios, jogando água em excesso pelos vertedouros.
“No ano passado, Itaipu verteu cerca de 400 mw médios. Se a gente somar todo o potencial das bordas do Pantanal, não vai alcançar isso”, disse o professor de engenharia da UFMT, Dorival Gonçalves Júnior.
Para o ministro de Minas e Energia, o Brasil não pode abrir mão de qualquer potencial energético, mesmo que pequeno.
“Se nos abdicamos daqui, abdicamos dali, sob os mais diferentes argumentos, ainda que alguns deles procedentes, como é o caso, por exemplo, do Pantanal, vamos acabar não cumprindo o nosso planejamento energético brasileiro”, afirmou o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão.
Institutos de pesquisas, preocupados com o assunto, enviaram documento ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Eles querem que o impacto ambiental das usinas seja avaliado em seu conjunto. Um analista do Ministério do Meio Ambiente está encarregado de formular uma proposta de mudança nas normas de aprovação das hidrelétricas do Pantanal
“Cada empreendimento desse era tocado por um empreendedor. Não é um grupo que está implantando todas. Então, ele só sabe do impacto do que ele está gerando. Ele mesmo não conhece o impacto do próximo. Quem está atento à situação já sabe que a soma disso tudo vai trazer um grande impacto social e ambiental para a região”, explica Cristiano Zinato, analista do Ministério do Meio Ambiente.
Se as usinas forem inevitáveis, o pantaneiro Armando se diz preparado para essa nova adversidade.
“Eles já estão planejando fazer as coisas lá e nós já estamos planejando como superar isso por aqui. O Pantanal é maior, ele é poderoso, ele é muito forte e sobrevive. E o pantaneiro vai sobreviver junto com ele”, contou o fazendeiro Armando Arruda Lacerda.
(Fonte: G1)
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