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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

2011 Ano Internacional das Florestas. Um valor ambiental em risco

De entre os diversos ecossistemas e biomas, destacam-se pela sua importância e distribuição mundial as florestas. O valor global da floresta está estimado em cerca de $USD 4.7 triliões (10^12)/ ano, o que em termos de fluxo económico mundial corresponde a 14.7%. É frequente considerar-se apenas o valor resultante da madeira em si, ou do combustível e dos produtos que dela resultam, no entanto esses items correspondem em geral a apenas um terço do valor efectivo que as florestas geram.

Três outras grandes áreas são habitualmente ignoradas, e correspondem a três grandes serviços: (1) regulação do clima pela absorção, ou melhor, sequestro de CO2; (2) protecção dos recursos dulçaquicolas; (3) recreativo. São serviços que não são propriamente transaccionáveis, mas que na realidade representam uma porção altamente significativa do valor da floresta. Nunca é de mais igualmente salientar o papel das florestas no bem-estar espiritual e psíquico dos seres humanos; os parques naturais e nacionais são boa prova disso e têm cada vez mais importância como "refúgios" de populações urbanas sujeitas a stresses diários intensos. Noutras regiões do Mundo (p.ex. Japão) têm ainda um valor religioso e cultural que é extremamente difícil, senão impossível, de estimar.

Há que destacar também o papel das florestas como suporte do solo, protegendo-o contra a erosão (eólica e das chuvas). Tivémos um recente e dramático exemplo em Portugal, em 2010, com as chuvas intensas na Ilha da Madeira, em que uma porção significativa de solo agricola e florestal se perdeu por ausência de florestação em determinadas áreas. Seria interessante fazer-se um estudo para saber quanto se perde nestas situações, mas, e sem contar naturalmente com as perdas humanas, este é capaz de ser o maior dano material causado por estes desastres naturais. Noutras regiões do mundo, como no Brasil ou a Indonésia, p.ex., a conversão de florestas em terreno agrícola tem também trazido pressões muito elevadas aos ecossistemas. Veja-se também o flagrante contraste entre a florestação na República Dominicana e o Haiti, que em imagem de satélite nos define bem a fronteira entre os dois países. Estamos aqui perante questões sociais e económicas muito agudas, geradoras de conflitos entre interesses. Também nestes casos, a avaliação do valor dos serviços de ecossistemas das florestas pode contribuir para melhor se equacionar os valores em jogo.

Ao olharmos para a distribuição das florestas no planeta, podemos observar que encontramos essencialmente três grandes regiões bio-geográficas, a boreal, a temperada e a tropical. Cada uma tem as suas características próprias, com espécies adaptadas às condições edafo-climáticas regionais, e também com valores próprios, ou seja uma floresta de coníferas da Escandinávia providencia um conjunto de serviços e produtos que diferem radicalmente dos fornecidos por uma floresta amazónica. Mas em ambos os casos, a acção do Homem e as alterações climáticas fazem-se sentir de forma significativa. As florestas do hemisfério Norte são principalmente constituidas por coníferas, em particular pinheiros, que representam um sector da maior importância económica para os países da região, em madeira e pasta para papel, para citar apenas dois produtos imediatos. Embora não tenham uma elevada biodiversidade, estas florestas são fonte de recursos significativos e que providenciam as populações locais com uma boa sustentabilidade económica. Isto não tem impedido que nessas regiões uma educação ambiental de elevado nível tenha permitido às populações nórdicas apreciarem igualmente os valores ambientais e serviços não facilmente contabilizáveis, no imediato, das florestas. Por contraste, as florestas do Sul da Europa, dominadas por determinados carvalhos como o sobreiro e a azinheira, para além do valor económico intrínseco, constituem verdadeiros repositórios de biodiversidade vegetal e animal. E não nos esqueçamos da região com maior biodiversidade florestal da Europa, a Macaronésia e a Laurissilva, abrangendo em Portugal os territórios da Madeira e Açores. Vários locais do Sul têm sido já considerados como Património da UNESCO, o que em nossa opinião estabelece uma maior responsabilidade por parte dos governos e cidadãos desses países. Também a alimentação do Sul da Europa, designada como "dieta mediterrânica" (mais uma recente inclusão no património UNESCO) beneficia das vantagens do Ambiente e da Biodiversidade.

Como qualquer outro ecossistema, as florestas estão sujeitas às variações de diferentes factores tanto naturais (solo, clima, água, pragas e doenças, etc..), como antropogénicos, dos quais um dos de maior impacte tem sido, no nosso País, os fogos. Naturalmente que se sabe que muitos dos fogos florestais têm causas naturais, mas o número de casos e áreas ardidas devido à acção do Homem, seja de forma negligente ou criminosa, tem aumentado significativamente. É um sector que tem estado sob grande desenvolvimento em termos de investigação, tanto a nível das causas dos fogos florestais (em conjunto com a componente legal e sociológica) como também a nível do seu controlo, podendo nós hoje em dia recorrer a excelentes ferramentas também utilizadas pelos cientistas do clima (fotografia satélite, SIG, etc...). No entanto, a monitorização no terreno, e uma boa equipa de guardas florestais continuam a ser talvez os factores mais decisivos na contenção desta autêntica calamidade que, quase invariavelmente todos os anos assola o nosso País.

Uma árvore está sujeita a um equilíbrio ecológico que resulta da acção de numerosos factores, nomeadamente a água do solo e os nutrientes que a alimentam, o CO2 atmosférico e a radiação solar, essenciais para a actividade fotossintética, e a evapotranspiração, o que cria um fluxo contínuo de água entre o solo e a atmosfera, isto para citar apenas os mais importantes. A perturbação destes factores, ou de componentes dos mecanismos eco-fisiológicos que fazem crescer e desenvolver uma árvore, tem consequências potencialmente nefastas, e que podem resultar no deficiente crescimento e, em última análise, na sua morte. Na verdade, tem havido nas últimas décadas, e por causas diversas, um declínio de muitas espécies florestais, e que têm afectado gravemente as economias de cada país, bem como o comércio mundial, para não falar do dano ecológico e paisagístico. Uma das causas mais óbvias para a alteração do funcionamento de uma floresta é sem dúvida a alteração climática que se tem vindo a produzir e a registar. Assunto polémico, que tem gerado discussões acaloradas e emotivas, não cabe aqui a sua discussão, mas apenas destacar a importância que a alteração de diversos parâmetros do clima tem na floresta. De particular importância para o Sul do País é a questão da desertificação, directamente ligada com as alterações climáticas, e que já se faz sentir de forma dramática, como tem sido demonstrado por estudos diversos e por alertas de organizações como a LPN.

Adicionalmente, temos de recordar que os ecossistemas das ilhas são especialmente frágeis às pressões antropogénicas. Tal é o caso da floresta laurissilva na Madeira e nos Açores, que merece um cuidado acrescido, o que no caso da Madeira, como veremos mais adiante, não foi infelizmente tido em conta.

Finalmente, falta referir a acção dos factores bióticos. Naturalmente que ao longo de séculos, as plantas, em geral, e as florestas em particular, têm estado sujeitas a diversas pragas (insectos e nemátodes) e doenças (bactérias e fungos, essencialmente). O Homem tem aprendido ao longo do tempo a conhecer essas pragas e doenças, e também a controlá-las, na medida do possível. Há casos históricos bem conhecidos, neste último século, e que causaram impactes formidáveis, como p.ex. o cancro do castanheiro ("chestnut blight"), causado pelo fungo Cryphonectria parasitica) que arrasou na quase totalidade o magnífico castanheiro americano, no início do século XX (www.srs.fs.usda.gov/pubs/ja/ja_schlarbaum002.htm). Ou, mais recentemente, o escaravelho Dendroctonus ponderosae ("mountain pine beetle") que tem causado danos na ordem das dezenas de biliões de dólares canadianos, na floresta de coníferas do Canadá, infestação súbita, muito provavelmente associada às alterações do clima naquele país (www.bloomberg.com/apps/news?pid=newsarchive&sid=a0JL.vln9mg0&refer=us). Mas nas últimas décadas, a nível mundial, o movimento destas pragas e doenças foi significativamente incrementado com a globalização, maior rapidez de deslocação de mercadorias e aumento dos respectivos volumes. Isto facilitou igualmente o fenómeno das "invasões biológicas".

O caso mais recente de introdução biológica, com efeitos nefastos na floresta de pinheiro em Portugal (e na Europa) é o da doença da murchidão do pinheiro ("pine wilt disease", PWD). A sua detecção e identificação em Portugal (Península de Setúbal) em 1999, em pinheiro bravo, alargou a distribuição geográfica desta praga para três continentes do hemisfério Norte: América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México), de onde parece ser originário, Ásia (China, Japão, Coreia do Sul e Taiwan) e Europa (Portugal). Neste momento, é considerada a maior ameaça à floresta europeia de coniferas. Em 2008, o nemátode da madeira do pinheiro (NMP) foi detectado fora da área afectada inicial (Península de Setúbal), na zona de Arganil-Lousã, o que constitui uma séria preocupação tanto nacional como europeia. Mais recentemente, em 2010, foi detectado na ilha da Madeira, e embora o pinheiro bravo não constitua uma produção económica significativa, esta entrada num ecossistema florestal tão importante como a laurissilva, constitui um grave evento. Ainda este ano, foi confirmada finalmente a presença do NMP em Espanha, na região da Galiza, sendo este um indicador a causar grande apreensão na Europa pelo que potencia de disseminação desta praga e doença para as grandes áreas florestais da espécie Pinus sylvestris, ainda mais susceptível que o pinheiro bravo. O nemátode da madeira do pinheiro, Bursaphelenchus xylophilus, é assim uma séria ameaça aos ecossistemas florestais, e tornou-se uma barreira ao comércio de madeira nos países afectados.

O ano de 2011 foi escolhido pelas Nações Unidas como ano internacional das florestas (www.un.org/en/events/iyof2011/), com a finalidade de elevar o grau de sensibilização da humanidade para a importância das florestas de todo o tipo, e o seu papel na sustentabilidade da Biosfera.


Manuel Melo e Mota | Departamento de Biologia e Instituto de Ciências Agrárias Mediterrânicas (ICAAM)

http://www.ueline.uevora

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