Com um pouco de sorte, quem viaja de avião do Quênia à Tanzânia em um dia de céu limpo e sobrevoa o Kilimanjaro presencia uma beleza natural de tirar o fôlego: em meio a campos verdes, ergue-se a montanha mais alta da África, com sua enorme cúpula de gelo e neve. Esse espetáculo da natureza, no entanto, encontra-se ameaçado: a cúpula de neve está encolhendo cada vez mais.
Em cerca de duas ou três décadas, segundo as estimativas dos pesquisadores, a camada de gelo da montanha irá diminuir gradativamente e poderá desaparecer por completo por um períodos de tempo – o que não acontece há 11 mil anos. “Nós já podemos ver”, alerta o biólogo Christof Schenck, do Instituto Zoológico de Frankfurt, “que as mudanças climáticas chegaram à África há tempos, está mais do que na hora de se fazer algo contra isso”.
Montanhas do Arco Oriental – Uma das causas das mudanças climáticas e, simultaneamente, um grande risco para a Tanzânia, é o desgaste das suas florestas de montanha. O país possui uma extensa cadeia de picos, as chamadas Montanhas do Arco Oriental, que atravessa quase todo o território do país. Algumas delas estão cobertas com o mesmo tipo de vegetação há mais de 30 milhões de anos.
A região é conhecida internacionalmente como “hotspot”, termo em inglês semelhante a “ponto chave”. Na prática, contudo, o seu significado divide-se em duas possibilidades: por um lado, indica que a biodiversidade contida nas florestas da região é especialmente alta – ali, crescem plantas e vivem animais que não existem em nenhum outro lugar do planeta. Por outro lado, porém, a expressão também remete ao fato de a vegetação local encontrar-se ameaçada: mais de dois terços das florestas de montanha da Tanzânia já foram erradicados.
A vegetação é um importante fator para o sistema de água do país. Isso se dá pois as florestas de montanha funcionam como uma espécie de esponja: elas armazenam os altos níveis de precipitação durante a estação chuvosa e mantêm a região irrigada por todo o período de seca, a água é drenada lentamente pelos vales e a vegetação ajuda ainda a prevenir enchentes. Assim como todas as outras, as florestas de montanha funcionam como um importante armazenador de CO2 e contribuem para a redução do aquecimento global.
Efeitos do desmatamento – Com a erradicação de boa parte da sua área florestal, as Montanhas do Arco Oriental perdem sua função de esponja. Durante a estação chuvosa, quando o fluxo de água aumenta expressivamente, a falta de vegetação pode causar inundações nas regiões mais baixas. Já nos períodos subsequentes – de pouca chuva –, a seca vem se tornando cada vez mais longa e extrema.
Além disso, os rios que nascem nas montanhas ficam parcialmente assoreados. Com frequência, eles deixam de trazer água suficiente para o abastecimento de regiões metropolitanas, como Dar es Salam e Dodoma.
Em contrapartida ao desmatamento industrial recorrente em outras regiões do mundo, a destruição das florestas de montanha na Tanzânia pode ser considerada “doméstica”. Por dois motivos: cada vez mais, a população tem expandido as suas terras de plantação – das planícies para as montanhas. Num segundo plano, a demanda energética também tem aumentado rapidamente.
Na Tanzânia, o combustível convencional para o preparo de refeições é o carvão vegetal. O mesmo é obtido nas florestas de montanha, por carvoarias, e vendido nos centros urbanos. O motivo da expansão rural e ainda da crescente demanda por carvão vegetal é o mesmo: o forte crescimento populacional nas Montanhas do Arco Oriental.
Contra-ataque da Tanzânia – O governo da Tanzânia reconheceu o dilema no que diz respeito a esses dois fenômenos problemáticos, assim como reconheceu também a necessidade de proteger o meio ambiente. Em benefício do próprio país: lá, eles estão cada vez mais conscientes de que, com o tempo, a exploração excessiva da natureza prejudica as condições de vida humana.
Em função disso, a administração pública da Tanzânia criou o EAMCEF, fundo destinado à conservação ambiental voltada especificamente às Montanhas do Arco Oriental. O objetivo é financiar projetos, a longo prazo, que contribuam de alguma forma para a causa das florestas de montanha.
Os projetos financiados pelo fundo, no entanto, não são suficientes para deter a destruição das florestas da região – e menos ainda para reflorestá-las. Na opinião dos especialistas sobre o tema, a Tanzânia necessita de uma ajuda de outros países ainda maior do que a que já está recebendo.
Entre eles, está a Alemanha, cujo Ministério do Meio Ambiente tem financiado a formação de guardas ambientais na região.
Eles são instruídos de forma prática quanto ao manejo florestal, tendo sempre em vista o cenário das mudanças climáticas. Os moradores de localidades próximas às reservas também foram convidados para participar na decisão de questões regionais relativas ao tema. A ocasião foi aproveitada para promover entre a população a diminuição da dependência dos recursos da floresta.
Sustentabilidade: tradição alemã – A Alemanha possui uma longa tradição na gestão sustentável de áreas florestais. Isso possibilita que o país exporte conhecimento para a Tanzânia. Há mais de 200 anos, as florestas alemãs seguem o conceito de sustentabilidade.
Hoje em dia, porém, o termo expandiu e tornou-se muito mais amplo. Em um ponto crucial do chamado Relatório Brundtland da ONU, documento frequentemente citado em discussões sobre o tema, defende-se que o desenvolvimento sustentável deve “satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às próprias necessidades e de escolher o seu estilo de vida”.
O biólogo Schenck concorda: “Isso implicaria, por exemplo, que as próximas gerações tenham tantas florestas de montanha na Tanzânia quanto nós temos agora.”
(Fonte: Folha.com)
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