A rotina diária da coleta de lixo em uma grande cidade, como São Paulo, não é simples. Para piorar, falta conscientização, e muitas pessoas ainda descartam o lixo de forma irregular.
De um pátio na zona leste de São Paulo, os caminhões partem para a coleta de lixo da maior cidade do país. Pedro Escudeiro, coordenador de operações da Loga, uma das duas concessionárias que trabalham com coleta de lixo na cidade de São Paulo, está no escritório para acompanhar a saída das equipes da garagem.
Ao mesmo tempo, Escudeiro briga para resolver um problema provocado pelo recorrente descarte inadequado do lixo: um grupo que trabalhava na madrugada encontrou lixo hospitalar misturado com lixo doméstico, no material descartado por um hospital. A lei especifica que esse tipo de lixo não pode ser misturado com o comum. O material hospitalar é chamado de infectante, pode provocar doenças. E agulhas e seringas são um perigo. Escudeiro faz ligações, aciona a Limpurb, departamento da Prefeitura de São Paulo responsável pelo lixo da cidade, e até ameaça colocar o caso na imprensa. "Vamos ver se a prefeitura resolve. Se não resolver, vou passar as fotos para os jornalistas", disse.
No pátio, as equipes estão reunidas para iniciar a viagem do caminhão. A primeira pergunta para pegar carona na rotina desses trabalhadores é esclarecer o nome certo da profissão: lixeiro ou gari. "Quem faz o pão? O padeiro. Quem faz o sapato? O sapateiro. Agora, quem faz o lixo?", questionam. Não é o lixeiro, evidentemente. Quem faz o lixo somos todos nós. Portanto, é um dia de trabalho dos coletores de lixo que ÉPOCA vai acompanhar.
O roteiro é simples: seguir o lixo. Mas é complicado seguir qualquer coisa no trânsito de São Paulo. Mesmo em um bairro de ruas tranquilas, motoristas mostram impaciência com o caminhão: a velocidade média dos caminhões de lixo durante a coleta é de 8 km/h, e é comum os coletores escutarem buzinas enquanto trabalham. Mas o principal risco para a saúde do trabalhador é manusear material descartado inadequadamente. "As pessoas poderiam ajudar mais. Ainda tem pessoas que descartam seringas, descartam vidro, de maneira inadequada", diz o coletor Antonio Urbano Marques Silva. Só em São Paulo, mais de 3 mil pessoas trabalham com coleta de lixo. No caso do lixo domiciliar, são três coletores por caminhão, que percorrem por dia quase a mesma distância de uma maratona (42 quilômetros).
Durante o trajeto, os funcionários da Loga contam à reportagem as dificuldades que enfrentam nas ruas. Uma vez, dizem, um dos caminhões foi multado por parar em fila dupla. Segundo eles, o caminhão não estava estacionado, apenas parado esperando os coletores recolherem o lixo, e não existia alternativa a parar em fila dupla, a não ser que o lixo simplesmente não fosse recolhido. Relatam, além de muitas, eventuais acidentes de trânsito e até um caso de tentativa de roubo de um caminhão de lixo. Por que alguém roubaria um caminhão de lixo? Provavelmente para desmontar e vender o motor, afirmam.
São mais de 200 caminhões, que carregam de sete a doze toneladas de resíduos sólidos por viagem – e um caminhão pode fazer até cinco viagens por dia. No total, a empresa coleta 6 mil toneladas de lixo diariamente – e trata-se apenas de uma das duas concessionárias de coleta da cidade. A estimativa oficial é que São Paulo produz 10 mil toneladas de lixo todos os dias, e esse número se refere somente ao lixo doméstico, sem entrar no cálculo os resíduos industriais. Perto desse número, a quantidade destinada para a coleta seletiva parece irrelevante: apenas 155 toneladas.
Após a coleta, o caminhão não leva o lixo diretamente para o aterro, mas para uma estação de transbordo. Cerca de 90% de todo o lixo coletado pela empresa passa por uma estação na zona leste, que está sendo reconstruída e reformada para melhor administrar toda essa quantidade de lixo. Na estação, máquinas (empilhadeiras, escavadeiras) empilham o lixo e o transportam para uma carreta, que, aí, sim, vai transportar para o aterro. A estação é necessária por uma questão de logística: a carreta que sai da estação carrega duas vezes e meia mais lixo do que os caminhões comuns. Além disso, ela libera os caminhões para fazer outros setores da cidade, economizando viagens e combustível.
Com o lixo no aterro, fica evidente um dos problemas da gestão de resíduos em uma megalópole como São Paulo: os aterros não são eternos, eles se esgotam. Dois grandes aterros que a cidade utilizava foram fechados recentemente: o Aterro Bandeirantes, de responsabilidade da Loga, fechou em 2007, e o outro, o Aterro São João, fechou em 2009. Hoje, São Paulo manda seu lixo para aterros em outras cidades, como Guarulhos e Caieras, ambas na região metropolitana da cidade.
Enquanto partíamos para conhecer o aterro, o coordenador da Loga Pedro Escudeiro recebe uma ligação em seu celular. Era da prefeitura. A Limpurb havia registrado a ocorrência de lixo hospitalar misturado com o lixo comum naquele hospital, e aplicara três multas de R$ 1.000. "Eles colocam os garis em risco de contaminação e tudo que acontece é uma multa de R$ 1.000", diz. O problema do lixo nas cidades brasileiras tem solução, com projetos ambientais, reciclagem e respeito à coleta. Mas antes é preciso entender que o lixo é de fato um problema de todos os cidadãos. Não apenas o munícipe deve aprender a descartar seu lixo corretamente, assim como empresas e hospitais precisam enxergar o perigo de descartar o lixo de forma errada.
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