Um novo estudo sugere que um vírus sexualmente transmissível comum e associado ao câncer pode causar também doenças cardiovasculares.
Para as mulheres infectadas pelo papilomavírus humano, ou HPV, a probabilidade de ter tido um ataque do coração ou derrame é de duas a três vezes maior do que para as que não possuem o vírus, de acordo com relatório publicado na segunda-feira passada na revista The Journal of the American College of Cardiology.
O HPV é conhecido por causar câncer de colo uterino, vulva, pênis, garganta e ânus. O novo estudo, porém, foi o primeiro a associá-lo a doenças cardíacas. As descobertas sobre o coração ainda não são definitivas: elas demonstram que o vírus pode estar associado à cardiopatia, mas não provam que ele seja o causador da doença.
O doutor Kenichi Fujise, autor principal do estudo e cardiologista do departamento médico da Universidade do Texas, em Galveston, afirmou que a pesquisa originou-se do empenho dele em descobrir por que algumas pessoas têm ataques do coração mesmo não possuindo fatores de risco frequentes, como colesterol e pressão arterial altos.
Aproximadamente 20 por cento dos pacientes com doenças cardíacas não possuem fatores de risco evidentes. Segundo os pesquisadores, elas devem possuir problemas ocultos que ainda não foram descobertos.
Fujise decidiu estudar o HPV por ele conseguir danificar o gene supressor de tumor p53, que geralmente protege o corpo contra o câncer e também pode ajudar a prevenir doenças arteriais. A inativação do p53 ocorre em uma variedade de tipos de câncer e o gene é considerado um tipo de guardião de genoma. A inativação do p53 também pode gerar inflamação e o espessamento das paredes arteriais.
O HPV é a infecção sexualmente transmissível mais comum nos Estados Unidos. Os cientistas estimam que metade dos homens e das mulheres sexualmente ativos foram infectados e 80 por cento das mulheres contraíram o vírus até a idade de 50 anos. Existem várias cepas do vírus, mas somente algumas causam câncer. Na maioria dos casos, o sistema imunológico da pessoa combate o vírus. A infecção persiste, causando o câncer, somente para uma pequena minoria. Há duas vacinas aprovadas que previnem a infecção por HPV.
Elas são recomendadas aos jovens antes que de se tornarem sexualmente ativos. A vacina não exerce efeito em pessoas que já estão infectadas.
Fujise estudou 2.450 mulheres, com idades entre 20 e 59 anos, que participaram de uma pesquisa nacional de saúde de 2003 a 2006. Foram retiradas células do colo uterino das mulheres para realização do teste de HPV. Elas relataram se sofriam de doenças cardíacas, o que foi definido neste estudo como nunca ter sofrido um ataque cardíaco ou derrame.
Um total de 1.141 mulheres tinham o HPV. Entre as 60 que sofriam de doenças cardíacas, 39 tinham o HPV. Os pesquisadores analisaram os dados e consideraram fatores relevantes para doenças cardíacas como fumo, pressão arterial e peso corporal. Eles descobriram que a probabilidade de as mulheres com HPV sofrerem de cardiopatia era 2,3 vezes maior do que para as mulheres sem o vírus. O risco aumentava para 2,86 vezes para as mulheres que haviam contraído a cepa do vírus causadora de câncer.
Fujise afirmou ter se surpreendido com os resultados. ''Eu acreditava na possibilidade de haver um elo fraco ou nenhum elo, mas este é forte’', afirmou.
Mesmo que outros estudos confirmem esta associação, a grande maioria das pessoas que contraem o HPV não estariam sob risco particular de contrair doenças cardíacas. Segundo Fujise, se a associação existir de verdade, a cardiopatia, da mesma forma que o câncer, provavelmente se desenvolve apenas nas pessoas com infecção persistente pelo vírus.
A doutora Lori Mosca, diretor de cardiologia preventiva do Hospital Presbiteriano de Nova York e Centro Médico da Universidade Columbia, afirmou estar ''definitivamente intrigada com a descoberta’'. O argumento biológico é bastante plausível e merece mais investigações’'. A pesquisadora não participou do estudo. Contudo, a ênfase na plausibilidade não é suficiente – a história da medicina está repleta de ideias que fazem sentido, mas se revelaram incorretas. O tipo de estudo que Fujise realizou, no qual cientistas procuram por associações em uma grande quantidade de dados, contribui com o desenvolvimento de ideias para outras pesquisas, mas não estabelece uma relação entre causa e efeito.
O fato de existir uma associação não confirma nem mesmo qual das condições surgiu primeiro. Teoricamente, a doença cardíaca pode ter surgido antes e tornado as mulheres mais vulneráveis ao HPV. Ou ainda pode haver fatores desconhecidos que predispõem algumas mulheres ao HPV e à doença cardíaca.
''Precisamos proceder com cautela’', afirmou Mosca. ''Precisamos realizar pesquisas mais rigorosas que respondam à questão de forma definitiva’'.
Segundo Mosca, muitos pesquisadores vêm estudando possíveis associações entre o câncer, doenças infecciosas e cardíacas. Até agora, porém, não houve comprovação de que as infecções causam cardiopatia, afirma.
Segundo ela, o trabalho de Fujise ''possui potencial, caso seja bem sucedido, de oferecer mais informações ao público sobre os benefícios potenciais da vacinação contra o HPV’', afirma. Porém, ela acrescentou que a descoberta é muito preliminar para ser usada como evidência em favor da vacinação.
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