A situação da Amazônia é crítica. A construção de diversos complexos hidrelétricos aponta para uma perspectiva terrível em relação à sobrevivência da floresta. Nesta entrevista, concedida à IHU On-Line por telefone, Edilberto Sena fala sobre a situação do Rio Tapajós. O projeto inicial do governo federal prevê a construção de cinco hidrelétricas ao longo do Rio. No entanto, segundo Sena, esta quantidade pode aumentar para 15. “O governo continua obstinado em tornar o Brasil a quinta economia mais rica do planeta. No entanto, faz isto à custa dos povos e das riquezas da Amazônia”, disse.
Há divergências no projeto em relação às projeções feitas pelo ex-presidente Lula e pela ações da presidente Dilma. “O presidente Lula anunciou que seriam criadas 14 unidades de conservação ao longo da BR-163, como forma de proteger a floresta que ainda existe. Agora, por causa do Complexo Tapajós, calcula-se que outros 120 mil hectares de florestas serão excluídos das unidades de conservação. Isso será feito para atender às inundações de florestas que acontecerão com os lagos que vão surgir após a construção das barragens”, explicou.
Edilberto Sena, padre, é coordenador da Rádio Rural AM de Santarém-PA e membro da Frente em Defesa da Amazônia (FDA).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que novos cenários se apresentam para o Tapajós?
Edilberto Sena – Hoje, há pelo menos três cenários novos em relação ao Complexo Tapajós. Primeiro, o governo continua obstinado em tornar o Brasil a quinta economia mais rica do planeta. No entanto, faz isso à custa dos povos e das riquezas da Amazônia. Por exemplo, o projeto original do Complexo Tapajós prevê apenas cinco hidrelétricas. Porém, os planos do governo estão mudando e já se fala em até 15 hidrelétricas.
O segundo cenário mostra que o novo projeto quer diminuir as unidades de conservação criadas antes e durante o governo Lula para implementar as usinas hidrelétricas. O então presidente Lula anunciou que seriam criadas 14 unidades de conservação ao longo da BR-163, como forma de proteger a floresta que ainda existe. Agora, por causa do projeto Complexo Tapajós, calcula-se que outros 120 mil hectares de florestas serão excluídos das unidades de conservação. Isso será feito para atender às inundações de florestas que acontecerão com os lagos que vão surgir após a construção das barragens. Para se ter uma ideia, no Parque Nacional da Amazônia, cerca de dez mil hectares de florestas desaparecerão.
O terceiro cenário novo é formado por nós, os que lutam em defesa da dignidade do povo amazônico. A população está cada vez mais consciente e atenta ao problema das hidrelétricas. No entanto, só despertamos para este desastre há quatro anos. Enquanto isso, a Eletronorte vinha trabalhando silenciosamente desde 1995 nos estudos de viabilidade do Complexo Tapajós.
Há quatro anos estamos procurando desenvolver a sensibilização da população. Para isto, criamos uma cartilha, promovemos seminários. Há dois anos, construímos a Aliança Tapajós Vivo, que é formada por 25 grupos e entidades que trabalham unidos na defesa da soberania do povo desta região. Os índios da etnia munduruku tiveram dois encontros com a nossa militância e também estão firmes na defesa da sua região. Eles compreenderam que fazer hidrelétricas é mexer com a sua sobrevivência, pois essas obras vão alterar a lógica da vida do rio e da floresta.
No último encontro que realizamos, os caciques munduruku escreveram: “Nós decidimos nunca aceitar as desgraças das hidrelétricas. Se o governo não desistir do seu plano de barragens, nós vamos enfrentar com os nossos guerreiros. Iremos de canoa, remando, para enfrentar os nossos inimigos, não será longe porque sempre andamos assim. Se o governo não desistir do seu plano de barragens, não vamos parar de lutar contra elas”.
IHU On-Line – Alguma nova medida por parte do governo aconteceu nesses últimos meses?
Edilberto Sena – O governo está encalacrado com a situação de Belo Monte e Jirau. Portanto, nesse momento, o Complexo Tapajós não é prioridade nas discussões “oficiais”. O que se tem de mais novo é a ideia de que a presidente Dilma vai, nos próximos dias, fazer um decreto diminuindo as unidades de conservação.
IHU On-Line – Em relação a esses projetos na Amazônia, foi possível sentir alguma diferença entre a posição do governo Lula e a posição de agora (governo Dilma)?
Edilberto Sena – Lutei 20 anos junto com tantas pessoas para eleger o presidente Lula. Hoje sinto que fomos iludidos pela ideia de que ele, no governo, priorizaria o social e não o econômico. O sonho começou a desmoronar quando ele mentiu para nós e foi fiel aos banqueiros e às grandes empresas.
A diferença que eu vejo entre o estilo do governo Lula e o estilo do governo Dilma é que o Lula conquistou o povo com seu jeito popular, com sua facilidade de conversar, de contar piadas, de cometer gafes engraçadas. Com esse jogo de cintura, ele falou para D. Erwin, o bispo do Xingu: “Não enfiaremos goela abaixo a usina de Belo Monte”. No entanto, um mês depois ele estava metendo o projeto “tripa abaixo”.
A presidente Dilma não tem esse jogo de cintura, ela é “pesadona” – física e politicamente. Dilma acha que pode empurrar não apenas goela abaixo, mas também esmagar as populações amazônicas. Penso que precisamos preparar a nossa população para fazer uma resistência firme. Até porque não podemos viver só de diálogo e pressão.
IHU On-Line – Como está a luta contra a construção das hidrelétricas aí na região?
Edilberto Sena – No momento, estamos trabalhando com aliados. Alguns são daqui da região e outros são de fora. Por exemplo, os índios munduruku são os mais atentos ao problema. A comunidade de Jacareacanga já tem um grupo interessado em se juntar à aliança. Na cidade de Itaituba tem um grupo que está trabalhando nossos discursos perante as sustentações do governo.
A Campanha da Fraternidade da Igreja Católica veio ajudar a nossa luta. Os padres nas suas Igrejas estão falando da importância da Amazônia, estão discutindo sobre o futuro do planeta. As escolas telefonam nos convidando para discutir sobre as hidrelétricas com os jovens…
IHU On-Line – Podemos dizer que há uma apatia da sociedade brasileira em relação ao debate sobre a construção das usinas hidrelétricas?
Edilberto Sena – Existe, sim, e por dois motivos. Primeiro, 80% da população brasileira vive lutando pela barriga, para arranjar comida, para sustentar a família e garantir emprego, escola e saúde. Esta população não tem tempo para pensar nas consequências da instalação desse Complexo. Os outros 20% são os oportunistas que estão olhando para a Amazônia e vendo apenas o lucro.
A ex-governadora do Pará, para nossa tristeza, abriu a boca em São Paulo para dizer que o Estado necessita de mais hidrelétricas. Este tipo de “informação bandida” acaba sensibilizando uma parte da população. E, pior, acaba caracterizando os movimentos sociais como “antidesenvolvimentistas”, como se nós não quiséssemos a melhoria do Brasil. Os políticos falam como se existissem dois “Brasis”: um dos lados é formado pelas regiões Sul e Sudeste, que enxerga a Amazônia como sua colônia, e no outro lado estamos nós. O governo vive mentindo ao afirmar que o país precisa de mais energia e que, por isso, precisa construir hidrelétricas na Amazônia.
Depois da rebelião que houve no canteiro de obras de Jirau, vários trabalhadores voltaram ao Pará. Na paróquia em que trabalho, entrevistei alguns desses trabalhadores e eles contaram que, de fato, a rebelião foi motivada porque as empresas estavam massacrando os funcionários, tratando-os como escravos. Não pagavam hora extra. Isto revela que a população do Pará está carente de qualidade de vida e de emprego. É por isso que qualquer emprego está ótimo. Este é o raciocínio da maioria da população, e o governo explora o trabalhador a partir deste fato.
Alguns trabalhadores de Jirau são daqui, o que é um sinal de que o Pará tem carência de emprego. Com isso, o pessoal vai para longe em busca de trabalho. A experiência deles com aquela rebelião foi um mal que trouxe o bem. Isso porque foi um aviso de que o que estava acontecendo em Jirau vai acontecer no Tapajós. O problema foi um instrumento para a educação.
IHU On-Line – Como é a região que vai ser afetada pelo sacrifício de 140 mil hectares de Floresta Amazônica?
Edilberto Sena – Nossa região já está tremendamente afetada pelo agronegócio. Só na região de Santarém, 25 mil hectares de lotes da agricultura familiar foram vendidos para o agronegócio. Evidentemente, com isso florestas foram destruídas. Eu escrevi uma matéria sobre como a moratória da soja foi uma farsa e sobre como a destruição continua acontecendo. Agora, outra avalanche de destruição está por vir: com a construção do complexo hidrelétrico, 140 mil hectares de floresta serão alagados. Isso prejudicará o equilíbrio climático da região e a cultura do nosso povo. Além disso, o alagamento vai permitir que a produção de dióxido de carbono aumente, porque estas árvores serão afogadas. A expulsão dos moradores que vivem ao longo do rio também é outra consequência desse alagamento.
É um absurdo uma pessoa, a presidente da República, que foi de esquerda, chega agora e implacavelmente decide o que tem que ser feito na Amazônia. O que será de nós se estes 140 mil hectares de floresta forem destruídos? A nossa vida amazônica depende da floresta e dos rios. É uma violação tremenda o governo transformar os rios em mercadoria para agradar às grandes indústrias.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)
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