Discurso e prática
Em um momento de discussão sobre a nova fase da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em que membros do governo enfatizam que a inovação será prioridade da política industrial brasileira, e de elaboração do Plano de Ação para a Ciência, Tecnologia e Inovação para o período 2011-2014, repercutiu negativamente entre entidades que representam segmentos dos setores empresarial e acadêmico o corte de R$ 1,7 bilhão no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) em 2011.
"O corte reflete o que estamos dizendo há muito tempo: a política de desenvolvimento tecnológico não está na agenda", afirma Roberto Nicolsky, diretor geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).
"A medida não vai ao encontro do discurso de que precisamos fazer mais inovação", concorda Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
"Embora entendendo a necessidade de corte, temos que considerar realisticamente seus impactos negativos na área de inovação, e garantir que a dinâmica positiva do momento atual se mantenha", afirma o presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), Carlos Calmanovici.
Incorporação de inovações
"Se a política de desenvolvimento tecnológico fosse uma política de Estado, seria de longo prazo. Deveria independer das circunstâncias econômicas", aponta Nicolsky, da Protec.
A entidade é uma associação civil em prol da inovação tecnológica nacional, que reúne as chamadas entidades tecnológicas setoriais (ETS), como o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos Farmacêuticos, Fármacos e Agro-químicos (IPD-Farma), o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Máquinas e Equipamentos (IPD-Maq), o Instituto de Gestão de Pesquisa e Desenvolvimento para a Indústria Elétrica e Eletrônica (IPD-Eletron), o Instituto Tecnológico da Borracha (ITeB), e o Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Itehpec).
Nicolsky explica que o País só conseguirá se desenvolver e tornar mais competitivo se houver uma intensa taxa de incorporação de inovações. Um dos caminhos para a indústria nacional é incorporar inovações que outros mercados já têm. Para ele, uma das deficiências da política pública de apoio à inovação no Brasil é ela ter um viés acadêmico muito forte.
"Temos a visão acadêmica da descoberta, das novas soluções, novos produtos e tecnologias, uma expectativa ingênua, pueril, de que daremos o salto para a liderança", analisa. "Se não lançarmos novos produtos e novos processos, não atingimos a liderança, mas se a gente não incorporar inovações que já existem, ficamos marginalizados no mercado. Precisamos investir em engenharia reversa para incorporar o que não temos", completa.
Essa incorporação, prossegue o executivo da Protec, deve ser sistemática e continuada. "Precisamos de iniciativas continuadas ao longo do tempo e de investimentos permanentes, mas o pouco que existe é interrompido por cortes, que geram insegurança quanto à continuidade da política e mostram que o desenvolvimento tecnológico, a inovação, deixam de ser política de Estado para ser política de governo", afirma.
Para ele, o corte no orçamento do MTC não afetará o comportamento das empresas que já investem tradicionalmente em inovação, pois essas contam pouco com o apoio do Estado. "O Brasil tem política de subvenção para projetos sonhadores, fora da realidade, focados em criar novos produtos, explorar novas fronteiras, projetos acadêmicos que não focam o mercado. Esses projetos, sim, serão muito afetados [pelo corte]", analisa.
Ciclo da inovação
Outro segmento empresarial que pode ser afetado pela redução do dinheiro para ciência e inovação, segundo Nicolsky, é o das empresas que estavam pensando em investir ou que começaram recentemente a aportar recursos em processos de inovação e, portanto, ainda não fecharam o ciclo, que se finaliza com a obtenção de faturamento obtido pela venda de produto ou processo novo ou melhorado no mercado.
"Quando pensamos que o Brasil vai começar mesmo uma política de Estado para inovação, com um orçamento sem contingenciamentos, vem o corte. É lamentável, indica que não fazemos uma política para construir o futuro, mas para atender o imediato", conclui.
"O corte no orçamento do MCT impacta diretamente na competitividade das empresas, já que inovação é um de seus pilares estruturantes", aponta Carlos Calmanovici, da Anpei. Segundo ele, a entidade entende que o governo precisa fazer cortes, mas é necessário estudar medidas para mitigar os impactos negativos. "Esta ação demanda um engajamento de associações como a Anpei junto ao governo para que, com criatividade, sejam desenvolvidas fontes alternativas de recurso financeiro", prossegue o executivo. "Dadas as ações já tomadas pela Anpei, estamos confiantes de que este quadro será revertido", completa.
Críticas do setor acadêmico
Helena Nader, da SBPC, diz que a entidade viu da "pior maneira" o corte no orçamento do MCT. "Não vai ao encontro do discurso de que o País precisa fazer mais inovação. Na última reunião que tivemos do CCT [Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia], em final de dezembro, foi apresentado um balanço dos investimentos e os discursos oficiais enfatizaram que o governo daria prioridade à educação e à ciência. Os cortes nos orçamentos do MCT e do Ministério da Educação mostram que há um descompasso entre o discurso e a ação", lembra ela.
A última reunião do CCT, que é presidido pelo presidente da República, ocorreu no dia 27 de dezembro, no novo prédio do CNPq, inaugurado na mesma ocasião. Participaram o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; o hoje ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende; entre outros ministros, além de diversas autoridades. Helena, então vice-presidente da SBPC, também esteve no encontro.
Helena lembra, ainda, do pronunciamento feito por Dilma Rousseff, então candidata à presidência da República, na 62ª Reunião Anual da SBPC, realizada entre 25 e 30 de julho de 2010, em Natal (RN). Na ocasião, Dilma destacou a prioridade para a educação e ciência e tecnologia no desenvolvimento do País. "Os cortes não estão de acordo com o discurso feito durante oito anos do governo Lula e com o discurso da presidente Dilma, ambos do mesmo partido", afirma. Ela lembra que sem a educação básica, não há pessoas preparadas para o ensino superior. "Sem recursos humanos qualificados, sem educação e ciência, quem vai fazer inovação?"
A SBPC deverá pedir audiência com os ministros da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, e da Educação, Fernando Haddad, para levar o posicionamento da comunidade científica sobre os cortes. "Entendemos ser necessário fazer os cortes, ninguém quer a volta da inflação, mas é preciso examinar onde esses cortes estão sendo feitos, não podem ser em educação, ciência e tecnologia, saúde", acrescenta. "O Brasil vai piorar no médio e longo prazo, isso está gerando um atraso. Melhoramos muito em relação aos investimentos em educação e C&T, mas estamos muito aquém do que o País precisa para tirarmos nosso atraso e do que é recomendado internacionalmente", alerta.
Contramão
A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) foi outra entidade a protestar contra o corte orçamentário do MCT. Em texto divulgado dia 21 de fevereiro, a entidade afirma que "a política de corte nos investimentos nas áreas sociais e em áreas estratégicas, tais como educação, defesa e ciência e tecnologia, vai na contramão do desenvolvimento econômico e social do País".
Para a ANPG, "o problema está na lógica da política macroeconômica, que favorece o pagamento de juros em detrimento de investimentos na produção e também nos chamados gastos sociais".
A entidade questiona o governo a respeito de como o País vai investir em formação de recursos humanos, em inovação tecnológica, em pesquisas de ponta, se diminui o orçamento do MCT, apontado no manifesto da ANPG como o principal órgão responsável por coordenar e investir nessas políticas. Lembra que a transferência para a reserva de contingência de R$ 610 milhões do FNDCT reduziu as verbas do ministério, mas ainda garantia um orçamento em 2011 maior do que o de 2010.
"Com o novo corte, o MCT terá menos condições materiais de fortalecer e ampliar suas políticas este ano do que teve em 2010", aponta. A entidade está fazendo um abaixo-assinado, disponível em seu site, pedindo por reajuste no valor das bolsas concedidas aos alunos da pós-graduação.
Janaína Simões - Inovação Unicamp
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