O clima planetário mostra perturbações graves enquanto as discussões políticas para adotar um acordo contra o aquecimento global navegam à deriva, alertam especialistas.
Bonn, Alemanha, 9 de agosto (Terramérica).- Calor incomum, inundações, secas e furacões cada vez mais frequentes e intensos. Já ouvimos estas notícias? Quando se estreitam as opções para negociar um pacto mundial contra a mudança climática, a Organização das Nações Unidas (ONU) insiste em assinalar a emergência de “condições extremas”. Um olhar sobre o clima global dá sinais dessas “condições extremas”.
Nos Andes sul-americanos, as nevadas deste inverno foram tão intensas que mataram centenas pessoas. Ao mesmo tempo, as geleiras peruanas e bolivianas derretem irremediavelmente. No Paquistão e em outras regiões da Ásia central, prolongadas chuvas torrenciais causaram inundações igualmente mortais. Em toda a Europa e na América do Norte, o verão deste ano assola com temperaturas elevadas, de mais de 35 graus, que se mantêm constantes.
Na Rússia, o prolongado calor, com jornadas de até 40 graus, junto com uma seca extrema, provocou, no final de julho e começo deste mês, incêndios gigantescos ao redor da capital e em outras seis regiões do país, obrigando o governo a declarar o estado de emergência. O calor, a seca e o fogo mataram cerca de duas mil pessoas, destruíram milhares de casas e aproximadamente dez milhões de hectares de plantações.
“O teto da casa da humanidade está queimando”, disse um ativista ambiental que participou em Bonn da terceira rodada de negociações preparatórias para a 16ª Conferência das Partes (COP-16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em novembro e dezembro no México. Nos corredores do gigante Hotel Maritim desta cidade alemã, onde aconteceu o encontro, de 2 a 6 deste mês, proliferam cartazes sobre os efeitos do aquecimento global.
Segundo a agência espacial norte-americana (Nasa), as altas temperaturas médias registradas entre março e junho no planeta fizeram história: foi o período mais quente dos últimos 130 anos. Além das catástrofes, o aquecimento global tem outras consequências desastrosas. Na Europa, governos e empresários temem que o calor e a seca causem enormes perdas agrícolas.
“A colheita de grãos e cereais deste ano vai diminuir cerca de 10%, ou 25 milhões de toneladas”, disse ao Terramérica um dos mais importantes comerciantes de produtos da Alemanha, Ludwig Höchstetter, diretor da BayWa. Estas perdas representam escassez de alimentos, alta de preços e insegurança alimentar.
A nova secretária-executiva da Convenção Marco, Christiana Figueres, recordou novamente aos governos dos países industrializados sua “responsabilidade este ano de dar o passo essencial na luta contra a mudança climática”. Na COP-16, que acontecerá no balneário mexicano de Cancún, os governos devem aprovar um acordo vinculante que regule a redução de emissões de gases-estufa responsáveis pelo aquecimento global a partir de 2012, quando expirar o primeiro período de obrigações do Protocolo de Kyoto.
“Precisamos estabilizar as emissões antes de 2030 e reduzi-las em 50% antes de 2050”, para limitar o aumento médio da temperatura global a dois graus em relação às medições da era pré-industrial, disse Christiana ao Terramérica. Contudo, o mundo enfrenta um paradoxo. De um lado, vai precisar atender a crescente demanda por energia, especialmente nos países em desenvolvimento. Por outro, deve evitar o aumento das emissões provocadas pela queima de combustíveis fósseis, como o petróleo.
Para gerar energia limpa e criar uma economia de baixa intensidade de carbono, a Secretaria da Convenção considera necessários investimentos de US$ 20 bilhões. Mais da metade desse dinheiro deveria favorecer os países em desenvolvimento. A quantia é relativamente baixa, comparada com o que custará a mitigação da mudança climática. “Para cada dólar investido na geração de energia limpa nas nações em desenvolvimento o mundo economizaria US$ 7 em custos de mitigação”, disse Christiana.
A responsabilidade de reduzir os gases-estufa “recai sobre os países industrializados”, disse ao Terramérica, em Bonn, o representante da China para a mudança climática, Huang Huikang. “Nos últimos 200 anos, as nações industrializadas, com seu modo de produção e de vida, causaram um grande acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera”, disse Huang. “A responsabilidade histórica e moral destes países é muito clara”, acrescentou.
Embora sem mencionar os Estados Unidos, a mensagem de Huang estava dirigida a Washington. Esse país ainda tem a maior quantidade de emissões de gases contaminantes por habitante, mas o governo se nega a ratificar o Protocolo de Kyoto e o Senado abortou, no final de julho, um projeto de lei contra a mudança climática. A questão de Washington não assumir responsabilidades ambientais globais continua bloqueando as negociações com vistas a Cancún, a ponto de os especialistas e observadores sugerirem sua suspensão e a busca de canais alternativos.
“Talvez devêssemos simplesmente aprovar a prorrogação do Protocolo de Kyoto para depois de 2012”, disse Christiana ao Terramérica. Outros, como Jo Leinen, presidente do comitê ambiental do Parlamento Europeu, acreditam que o contexto da ONU demonstrou sua inutilidade nas negociações para combater a mudança climática. “Se Cancún fracassar, e tudo sugere que fracassará, deveremos considerar uma coalizão de países voluntários, realmente comprometidos com o combate à mudança climática”, afirmou Jo ao Terramérica. “Esta coalizão deveria representar pelo menos 80% das emissões”, acrescentou.
Como a China encabeça a lista de contaminadores, com 23% das emissões globais, seguida dos Estados Unidos com 20%, tal coalizão deveria incluir uma destas duas nações. Missão que, no momento, parece impossível.
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