Professores e estudantes universitários, pesquisadores e ambientalistas do Rio Grande do Sul buscam respostas para o excesso de projetos para a construção de usinas hidrelétricas nos rios locais
Em ano de eleições presidenciais muitas discussões e decisões políticas ficam em segundo plano, já que todas as atenções se concentram nas campanhas eleitorais dos candidatos. No entanto, professores e estudantes universitários, pesquisadores e ambientalistas do Rio Grande do Sul estão em polvorosa. Eles buscam respostas para uma questão que está atingindo o Estado há tempo: o excesso de projetos para a construção de usinas hidrelétricas nos rios locais.
No que se refere apenas à bacia do rio Uruguai, localizada na porção leste e norte do RS e parte sul de SC, são dez empreendimentos hidrelétricos previstos, dos quais quatro já estão construídos (Foz de Chapecó foi alagada em maio deste ano). Dessa forma, não sobram trechos livres de barramento ao longo dos 174.494 km² da bacia, como mostra a figura abaixo.
Segundo informações no site da Agência Nacional de Águas (ANA), a região brasileira da bacia possui um total de 384 municípios – gaúchos e catarinenses – o que resulta em cerca de 3,8 milhões de pessoas. No que se refere à vegetação, afirma que há porções de Campos, Mata com Araucária e Mata Atlântica, que já sofrem significativamente com o intenso desmatamento.
A questão da UHE Pai Querê
A fim de impedir que mais famílias sejam atingidas pelas barragens e de preservar a biodiversidade da bacia nasceu o Comitê em defesa do rio Pelotas-Uruguai, apoiado pelo Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e outras entidades ambientalistas como o Núcleo Amigos da Terra Brasil (NAT Brasil).
O debate atual está centrado na questão da usina hidrelétrica de Pai Querê, prevista para o rio Pelotas, entre os municípios de Bom Jesus (RS) e Lages (SC). Essa discussão retomou força depois que o primeiro Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), elaborado pela empresa Engevix, em 2001, teve de ser refeito. Isso porque omitia informações a respeito de espécies de flora e fauna locais, minimizando os impactos da UHE. O novo EIA-RIMA foi entregue em junho deste ano ao Ibama, dessa vez feito pela empresa Bourscheid Engenharia e Meio Ambiente S.A, e está em fase de análise.
O coordenador do INGÁ, Vicente Medaglia, afirma que o Comitê está acompanhando judicialmente o processo e já pediu uma cópia do novo EIA-RIMA para avaliação. Ele acredita que, ao ser bem feito, o estudo poderá indicar a inviabilidade da obra, visto que “a área de Pai Querê é de extrema relevância para a biodiversidade. Além disso, possui importância histórica, com sítios arqueológicos representados pelas ruínas da primeira alfândega do RS: Passo de Santa Vitória”.
A ONG Curicaca também está envolvida nessa questão, buscando inviabilizar Pai Querê. Segundo o coordenador técnico, Alexandre Krob, “não é mais viável uma nova obra na região do rio Pelotas. Como não parece haver flexibilidade por parte do Governo Federal sobre a construção, estamos nos preparando para entrar com ações judiciais e fortalecer ações que já existem contra a licença ambiental desse empreendimento”.
Desenvolvimento econômico e impacto ambiental
Para o professor do Departamento de Botânica da UFRGS e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, Paulo Brack, o problema não está somente na questão da UHE Pai Querê, mas sim na visão atrasada do governo em relação à construção de hidrelétricas.
Complementando a visão contrária à construção de Pai Querê, Brack ressalta as características ambientais e os impactos que serão causados na região, além de criticar a posição governamental que, na sua visão, busca o desenvolvimento econômico acima de tudo.
O professor Brack ainda afirma que sua posição não é contrária a toda e qualquer construção de hidrelétricas, já que entende a necessidade de geração de energia no país. Contudo, declara que “estudos realizados por pesquisadores da USP mostram que melhorar a tecnologia de hidrelétricas já construídas aumenta a sua eficiência tanto na produção quanto na transmissão, gerando cerca de 30% a mais de energia no sistema” e também sugere buscar alternativas, como parques eólicos e energia solar, cujos impactos socioambientais são muito menores.
A resposta do Ibama
A Divisão de Licenciamento Ambiental do Ibama, em Brasília, está analisando o novo EIA-RIMA da UHE Pai Querê. Foram feitas três tentativas de contato telefônico e por e-mail, sem resposta sobre o prazo final da análise e sobre a equipe técnica que estaria envolvida nessa atividade. A secretária, Inês, apenas informou que não sabia de nada e que a equipe de análise não estaria trabalhando dentro da sede do Ibama. O departamento de Comunicação do Instituto também não quis se manifestar sobre o caso.
Avaliação ambiental integrada
Em vista da polêmica que envolve a construção das hidrelétricas na bacia do rio Uruguai, o Ministério do Meio Ambiente encomendou um estudo mais abrangente do que o EIA-RIMA. Trata-se de uma avaliação ambiental integrada, aplicada ao processo de análise da viabilidade de hidrelétricas, cuja área de estudo é o Médio e Alto rio Uruguai (RS e SC). O trabalho é executado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), tendo como coordenador geral o oceanógrafo e professor da UNIPAMPA Rafael Cruz. “O estudo existe para subsidiar todos os agentes políticos envolvidos nas tomadas de decisões, com dados concretos sobre o rio e não sobre os empreendimentos. Os cidadãos também podem usar nas suas lutas políticas. Ou seja, é o processo político que vai definir como usar a avaliação”, explica o coordenador.
Ao concluir a primeira fase do projeto FRAG-RIO, no Alto Uruguai, Cruz ressalta que já possível perceber os pontos de maior fragilidade da bacia. Focando o trecho do rio principal enfatiza que “as regiões de Pai Querê e Passo da Cadeia (intenções de empreendimentos no trecho remanescente de rio Pelotas) têm valor socioambiental altíssimo. Localizam-se à montante da UHE Barra Grande e suas riquezas estão tanto no meio biótico como em algumas variáveis do meio antrópico – rota dos tropeiros, por exemplo. O trecho à jusante da UHE Foz do Chapecó também é muito frágil, principalmente no meio social, já que haveria inundação de propriedades familiares, diversas cidades e terras indígenas”.
Além disso, o coordenador do FRAG-RIO reafirma o que o professor Brack falou sobre a baixa geração de energia que seria o resultado de Pai Querê. “Esse empreendimento é periférico no aproveitamento, pois os melhores de produção de energia já foram feitos, como Itá, Machadinho, Foz de Chapecó, os quais contam com bastante vazão e queda d’água. Os de cabeceira têm queda, mas pouco volume de água, ou seja, baixa eficiência para a produção de energia e muito impacto ambiental”, esclarece. Para Cruz, usinas de biomassa, que podem produzir a mesma ordem de grandeza da hidrelétrica (292 MW) e parques eólicos seriam as alternativas.
A segunda e terceira fase do estudo, que compreendem trabalhos de campo no Médio Uruguai e contribuição teórica para modelagem global, está para começar. A previsão de término do FRAG-RIO é para junho de 2011. Ao final, o professor Rafael Cruz espera que “com o trabalho, os tomadores de decisão consigam agir com base em algo racional, ao levar em conta as necessidades da sociedade para os nossos recursos naturais, quando forem negociar onde colocar os empreendimentos. Que o FRAG-RIO sirva para qualificar a discussão entre a sociedade e os tomadores de decisão”.
EcoAgência
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