Paulo Artaxo e outros especialistas avaliam em fórum possíveis impactos que as alterações no clima podem trazer ao Brasil e ao mundo
Em média, cada metro quadrado da superfície terrestre recebe 342 watts de energia em forma de radiação solar. Desse montante, estima-se que 1,66 watt fique no solo e contribua para tornar o planeta mais quente. Os dados foram calculados por meio do conceito da forçante radiativa, uma das contribuições da física ao problema do aquecimento global, segundo apresentação do físico Paulo Artaxo durante o fórum Mudanças Climáticas Globais - Desafios e oportunidades de pesquisa, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) nos dias 14 e 15 de outubro.
Artaxo, que é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), apresentou os aspectos físicos presentes nessas mudanças. "Essa é uma área de pesquisa muito dinâmica e na qual a cada semana são publicados em torno de sete artigos científicos", disse. Além de acompanhar a produção na área, outro desafio é a complexidade dos dados envolvidos. O resultado, segundo Artaxo, é que o quadro geral mundial com relação às mudanças climáticas é ainda pouco preciso ou, então, é formado por um mosaico de conhecimentos fragmentados os quais, ainda que precisos, apresentam pouca conexão entre eles.
Mesmo com essas limitações, Artaxo estima ser possível concluir que a ação humana tem causado sérios impactos sobre o planeta, a ponto de alguns pesquisadores proporem chamar a era contemporânea de Antropocênica, na qual a atividade humana teria suplantado a da natureza na modificação do planeta. "Já ultrapassamos a capacidade de regeneração do planeta em três áreas: na razão da perda da biodiversidade, nas alterações do ciclo do nitrogênio e nas mudanças climáticas", destacou o também membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na mesma mesa, Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador executivo do PFPMCG, falou sobre o impacto das mudanças climáticas na Amazônia. A contribuição do Brasil nas mudanças climáticas ocorre principalmente nas emissões de dióxido de carbono (CO2) por queimadas na região amazônica, que contribuem com 56% das emissões brasileiras. Elas são seguidas pela atividade agropecuária (24% das emissões) e pelos meios de transporte e geração de energia (12%).
Segundo Nobre, o Brasil está em uma posição privilegiada por conseguir reduzir as emissões com a diminuição das queimadas. "A China, por exemplo, não conseguirá cortar as emissões sem afetar seu produto interno bruto. O Brasil não sofreria esse mesmo efeito em sua economia", disse. Outra boa notícia é que as queimadas brasileiras têm diminuído nos últimos anos. Enquanto em 2004 o país emitiu cerca de 900 toneladas de CO2 na atmosfera dessa forma, em 2008 o total caiu para 500 toneladas.
Nobre, que também integra o IPCC, apresentou resultados de pesquisas que simulam a recuperação vegetal que ocorreria caso a Floresta Amazônica fosse totalmente devastada. As simulações apontam o índice de 40% como limite de devastação para que a cobertura vegetal não sofra uma degradação irreversível. Nesse ponto, o Cerrado se misturaria à Floresta Amazônica, descaracterizando boa parte desse bioma, em processo chamado de savanização da floresta.
Outro limite importante para que a Amazônia seja preservada, de acordo com Nobre, está relacionado à temperatura global, que não poderia se elevar em mais do que 3ºC. Acima disso, a floresta estaria seriamente ameaçada, conforme indicam vários modelos climáticos. Nobre ainda apontou a necessidade de se avançar em mais experimentos que envolvam florestas tropicais. "As informações de que dispomos sobre a influência do aumento de carbono na cobertura vegetal são de florestas temperadas", disse.
Em experimentos realizados no hemisfério Norte, descobriu-se que o aumento na concentração de carbono na atmosfera é capaz de elevar em até 25% a capacidade dos vegetais em fixar material orgânico, o que aceleraria o seu crescimento e poderia compensar a falta de outros recursos. "No entanto, não podemos dizer que isso também vale para a Floresta Amazônica, pois não temos estudos sobre o tema", disse. Para o cientista, apenas uma parte da preservação da floresta passa por questões de políticas públicas. "Podemos reduzir as queimadas, mas não temos controle sozinhos sobre o aumento da temperatura global. Se a temperatura aumentar em mais de 5º C, as florestas tropicais estarão em grande risco", afirmou.
Homenagem a Daniel Hogan
O fórum Mudanças Climáticas Globais também contou com uma homenagem ao demógrafo Daniel Hogan, morto em abril. Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Hogan se dedicou nos últimos anos ao estudo de mudanças climáticas e de centros urbanos. "Tive o privilégio de trabalhar com o professor Daniel, que participou de forma intensa da vida universitária. Ele marcou de uma maneira importante os docentes de todas as unidades de pesquisa da Unicamp", disse o reitor da Unicamp, Fernando Costa, durante cerimônia que contou com a presença de vários ex-colegas de trabalho de Hogan.
Hogan foi pró-reitor de Pós-Graduação da Unicamp de 2002 a 2005 e teve vasta produção científica na área de demografia. Atuou junto aos Núcleos de Estudos da População (Nepo) e de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), centros de pesquisa que ajudou a criar. Nascido nos Estados Unidos, Hogan graduou-se em 1964 em letras pela universidade Le Moyne College e fez mestrado em sociologia do desenvolvimento (1968) e doutorado em sociologia e demografia (1974), ambos pela Universidade Cornell.
Hogan ministrou na Unicamp aulas nos cursos de pós-graduação de demografia, de ambiente e sociedade e de geografia. Suas atividades de pesquisa se concentraram nas relações entre dinâmica demográfica e mudança ambiental, focando também as dimensões humanas das mudanças ambientais globais. Ele também integrou a coordenação do PFPMCG.
Agência Fapesp/EcoAgência
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