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sábado, 1 de março de 2014

O que influencia o desmatamento na Amazônia?

Todo fim de ano, lá por outubro ou novembro, o ritual se repete. Os ambientalistas, o governo e os ruralistas se entrincheiram, a mídia se aguça e, finalmente, ocorre o grande evento: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lança os números oficiais do desmatamento na Amazônia para o período de julho do ano anterior a junho daquele ano . O que se segue à divulgação é um roteiro sem muita originalidade, embora mantenha lugar de destaque na agenda amazônica. Se os números forem positivos (isto é, se apresentarem tendência de queda do desmatamento) logo surgem grupos clamando por crédito: governos das diferentes esferas, entidades não-governamentais, agências de cooperação internacional e daí por diante. Se os números tiverem tendência inversa, de alta do desmatamento, o roteiro transforma-se facilmente em troca-troca de acusações sobre o porquê do ocorrido, e de proposições – muitas delas bonitas, porém sem bases de realidade – sobre o que deve ser feito e por quem. A precisa atribuição das tendências de alta e baixa do desmatamento é tarefa complexa, que demanda pesquisa multidisciplinar. E não é necessariamente uma pesquisa exata – ela possui margens de subjetividade e é sujeita a interpretações de acordo com interesses individuais. É preciso considerar que influenciam no desmatamento fatores como o nível de aquecimento da economia nacional e internacional, a capacidade e a vontade de aplicação das leis por parte dos governos, as ações de responsabilidade corporativa – práticas ou puramente marqueteiras -, o estabelecimento de alianças ou explosões de conflitos por terra, o desenvolvimento de projetos de infraestrutura, entre outros fatores. O aumento do desmatamento em 2013 Feita a observação de que a análise do desmatamento precisa ser cuidadosa, em novembro de 2013, os números do Inpe revelaram uma ruptura na tendência de queda do desmatamento, que já durava praticamente oito anos. O aumento do desmatamento foi de 28% em relação ao período anterior, com um total de 5.843 km2 de florestas cortadas. Apesar de se mostrar em alta, esse índice representa ainda o segundo menor índice já registrado desde o início das medições, em 1988/89. Um vilão do período mais recente, para alguns municípios, foram as grandes e médias propriedades, dado que o aumento de aberturas de floresta se deu principalmente em polígonos com 25 hectares ou mais. Como comparação, as propriedades da agricultura familiar abrem em média áreas de dois hectares ao ano para suas roças, com uma contribuição histórica relativamente estável, um pouco abaixo dos 6 mil km2/ano. Outro vilão certo foram as grandes obras de infraestrutura promovidas pelo governo federal e pela iniciativa privada. Belo Monte certamente é um deles – Altamira aparece lá em cima, na lista de maiores desmatadores – porém, a usina não está sozinha: portos graneleiros em Itaituba, no médio Tapajós, somados às obras de asfaltamento e à previsão de novas hidrelétricas já aquecem a especulação de terra na região, resultando em taxas altas já há alguns anos e, mais marcadamente, no último período de medição. Um suspeito ainda não condenado é o Novo Código Florestal. Há aqueles que o acusam de ser o grande bandido do período, especialmente pela anistia dada aos desmatadores pré-2008, que sinalizaria que novas infrações à lei também seriam passíveis de futuras anistias. A ver. Por que o desmatamento estava em queda antes de 2013? E o que vem em 2014? A importante queda do desmatamento registrada desde 2004 tem origem numa combinação dos seguintes fatores: i. vontade política em resposta às pressões internas e externas e associadas às ambições do país no cenário internacional, resultando em ii. aprimoramento e aplicação de ferramentas de monitoramento e controle (notadamente o Cadastro Ambiental Rural – CAR), com base em experiências piloto de sucesso, iii. campanhas de difamação públicas de empresas, por causa de irresponsabilidades cometidas ao longo de cadeias de produção relacionadas à atividades rurais (soja e carne, principalmente), iv. co-responsabilização criminal de empresas que compram produtos com origem em áreas ilegalmente desmatadas, v. estabelecimento de sanções econômicas (restrição ao crédito rural e à venda de produtos) aplicadas a propriedades e municípios inteiros. Nessa lista, o que dá para notar é a ausência de incentivos positivos. Ou seja, que retorno econômico o produtor – que ao fim e ao cabo é quem toma a decisão de abrir uma nova área – recebe quando mantém uma floresta em pé? A pergunta é relevante porque no campo, assim como na cidade, o dinheiro se impõe. Incentivos para quem conserva estão previstos no Artigo 41 do novo Código Florestal, que ainda aguarda regulamentação. A ausência desses incentivos pode ter contribuído para o recente aumento do desmatamento, porém, esse fato sozinho não explica toda a equação. Os próprios fatores que levaram ao anterior decréscimo do desmate precisam ainda ser consolidados: a capacidades de atribuição do desmatamento e consequentes sanções sobre os responsáveis, embora tenham apresentado desenvolvimento notável, são ainda incipientes no Brasil e precisam ser fortalecidos urgentemente. Para completar o quadro, estamos em ano eleitoral, o que o torna particularmente interessante no que se refere a esse roteiro. A temática ambiental vem se aprofundando na agenda brasileira e o desmatamento na Amazônia ganha as primeiras páginas de jornais. Sabendo disso, a quem um novo e maior aumento das taxas beneficiaria nesse ano eleitoral? Quais as concessões que os políticos dos estados da Amazônia Legal estariam dispostos a fazer a aliados detentores de terras em troca de apoio político, nesse mesmo ano eleitoral? São novos fatores para engrossar ainda mais esse caldo. 2014 promete… Autor: Marcio Sztutman* - Fonte: Mercado Ético

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