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domingo, 16 de setembro de 2012

Animais evoluem quando velhos genes aprendem novos truques

Há alguns anos, eu fiz uma caminhada com minha esposa, Jamie, pelo Santuário da Vida Selvagem de Cockscomb Basin, no Belize. A bela e rica reserva é famosa por sua população saudável de onças e, por isso, estávamos seguindo nosso guia de perto, atentos para os indícios da presença desses felinos. Nós vimos algumas pegadas e marcas de garras em árvores e, por isso, decidimos deixar a floresta antes do anoitecer. Nós estávamos muito próximos do fim da trilha quando fomos surpreendidos por uma grande cobra, de cerca de 1,80 metros, passando bem na nossa frente. Belize tem muitas cobras, mais de 50 espécies. Algumas ficam enormes, tais como a impressionante jiboia, que é inofensiva. Entretanto, aquela cobra não era inofensiva. Mesmo com pouca luz, o desenho triangular em suas costas me permitiu identificá-la rapidamente como uma fer-de-lance, a cobra mais perigosa do país. Empolgado e feliz com o fato de que eu estivesse longe do alcance da cobra, peguei minha filmadora na mochila e liguei sua função noturna. Agora eu conseguia ver a incrível beleza da cobra na tela de LCD. Tentei me aproximar para filmar mais de perto, mas senti algo me agarrando pelas costas. Era Jamie. Ela segurou minha mochila, acreditando que meu entusiasmo por cobra tivesse me deixado sem juízo. Ela não estava convencida de que estivéssemos fora do alcance da cobra, nem de que ela não iria se movimentar rapidamente em nossa direção. Eu usei o zoom e filmei sem sair do lugar. Para filmar a cobra no escuro, tive de contar com a inovação e com a engenharia da Sony. O LED infravermelho da câmera gerava uma luz com um comprimento de onda superior ao que os olhos humanos são capazes de detectar; esses fótons chegaram até a cobra e voltaram para a câmera, sendo detectados por seus sensores infravermelhos e convertidos em imagem. Para que a fer-de-lance encontre sua presa no escuro, ela também conta com sensores infravermelhos. Mas essa capacidade, que ela compartilha com um seleto grupo de cobras, foi adquirida à moda antiga. Naturalmente, ela é fruto da evolução. A recente compreensão de como algumas cobras e outros tipos de animais detectam a luz infravermelha fornece alguns interessantes exemplos de como novos estilos de vida podem evoluir quando genes velhos aprendem novos truques. Parente próxima da cascavel, a fer-de-lance é um tipo de cobra-covinha, membro de um grupo de cobras venenosas que possuem fossas profundas entre as narinas e os olhos. Essas fossas especializadas permitem que as cobras detectem luz infravermelha na forma de calor. Os seres humanos e outros animais de sangue quente emitem calor na forma de radiação infravermelha. As cobras-covinha são tão boas em detectar esse tipo de radiação que algumas percebem a presença de uma presa em potencial a mais de um metro de distância. Para entender como evoluíram os sistemas de detecção infravermelha das cobras, um grupo de cientistas liderado pelo professor David Julius, da Universidade da Califórnia em São Francisco, pesquisou possíveis proteínas de detecção de infravermelho em cascavéis-diamante ocidentais. Eles buscaram determinados genes ativos nas células nervosas que são conectados às fossas, conhecidos como neurônios trigêmeos. Os cientistas descobriram um gene conhecido como TRPA1, que era 400 vezes mais ativo nos neurônios trigêmeos da cascavel do que em outros tipos de neurônios. Além disso, eles descobriram quem o gene TRPA1 não era muito ativo nos neurônios trigêmeos de cobras sem fossas. Essas duas evidências sugerem que o TRPA1 possa codificar a proteína envolvida na detecção de infravermelho. A proteína TRPA1 era muito conhecida entre os cientistas. Alguns anos antes, o grupo de Julius havia identificado o TRPA1 como um receptor que leva nossa reação às moléculas que reagem à raiz-forte, assim como outros irritantes químicos, como o gás lacrimogênio. Os genes do TRPA1 codificam um tipo de proteína receptora conhecido como canal de íons. Quando essa proteína é exposta a determinados produtos químicos, o canal se abre nos humanos e em outros mamíferos, permitindo que os íons passem para as células nervosas, dando início a uma sequência de eventos que produz um impulso nervoso. Entretanto, Julius e seus colaboradores descobriram que nas cobras-covinha o TRPA1 evoluiu para se tornar sensível ao calor. Esse receptor não é ativo na maior parte das cobras com temperaturas inferiores a 37 graus (a temperatura normal do corpo humano), mas o receptor de TRPA1 das cascavéis-diamante é estimulado a cerca de 27 graus, criando uma “imagem térmica” da fonte de calor no cérebro da cobra, que usa a imagem para atacar sua presa. As cobras-covinha não são os únicos animais, nem a única espécie de cobras, que possuem sensibilidade para a radiação infravermelha. As pítons e as jiboias também possuem fossas na cabeça, que são responsáveis por detectar calor, mas com estruturas diferentes. Julius e sua equipe descobriram que o TRPA1 também era extremamente ativo nos neurônios trigêmeos das fossas de pítons e jiboias, cerca de 65 e 170 vezes mais, respectivamente, em comparação com outros neurônios trigêmeos, e outras fossas de cobras. Da mesma maneira, esses receptores de TRPA1 eram de 5 e 8 graus Celsius mais sensíveis do que as cobras comuns. Em ambos os grupos de cobras, mudanças na estrutura do receptor de TRPA1, além do surgimento de altos índices de expressão em suas células sensoriais, garantiram a criação de animais com detectores infravermelhos. A grande distância evolutiva entre as cobras-covinha, as pítons e as jiboias indica que os dois grupos desenvolveram separadamente a sensibilidade à radiação infravermelha. O que é mais importante a respeito da TRPV1 é que esse é o mesmo receptor que detecta a capsaicina, o ingrediente ativo da pimenta dedo-de-moça, em nossos nervos. É ela que causa a famosa sensação de queimação. Os cientistas descobriram que a forma específica desse receptor encontrada nos neurônios trigêmeos presentes em morcegos vampiros era muito mais sensível ao calor (cerca de 9 graus Celsius) do que nossos receptores de TRPV1, ou o receptor presente nos neurônios de morcegos frutívoros. Portanto, o receptor do morcego vampiro é capaz de detectar o calor de formas que outros morcegos e mamíferos não são capazes. Tanto os genes do TRPA1 quanto os do TRPV1 têm centenas de milhões de anos, tendo surgido logo no princípio de nossa história evolucionária, quando os vampiros, cobras- covinha, pítons e jiboias eram espécies muito mais jovens. As histórias desses genes e desses animais, além da contínua reinvenção da sensibilidade à radiação infravermelha, demonstram como a evolução de novas capacidades não exige necessariamente novos genes, mas novas variações de genes muito antigos, além de novas formas de usá-lo. Caso você esteja ansioso por conhecer criaturas tão inteligentes, as três espécies conhecidas de morcegos-vampiros também vivem em Belize. Na época, eu não contei isso para Jamie, mas agora ela sabe. (Fonte: Portal iG)

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