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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Moscas varejeiras carregam alta porcentagem de bactérias que causam doenças em humanos

Cerca de 30% dos microrganismos encontrados em moscas varejeiras são capazes de causar doenças em seres humanos, revelou um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da PennState University, dos Estados Unidos, e da Nanyang Technological University, de Cingapura. Entre as bactérias encontradas nos corpos dos insetos estavam a Yersinia pestis, causadora da peste bubônica, a Helicobacter pylori, associada ao surgimento de gastrite, úlcera e câncer de estômago, e diversas espécies que podem provocar gastroenterite, pneumonia e infecções urinárias. Os dados foram apresentados por Ana Carolina Martins Junqueira, pesquisadora do Singapore Centre on Environmental Life Sciences Engineering (Scelse), de Cingapura, durante o evento “Advanced Topics in Genomics and Cell Biology”, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto na Unicamp. “Todo mundo sabe que moscas são insetos sujos, mas o índice de bactérias patogênicas foi tão alto que ficamos assustados. É o microbioma mais patogênico já descrito. Vamos iniciar agora alguns experimentos para descobrir se elas apenas transportam os microrganismos ou se podem, de fato, transmitir essas doenças para as pessoas ao pousar na comida, por exemplo”, contou Junqueira. Os cientistas analisaram a microbiota encontrada no corpo de 127 moscas, de 19 espécies que costumam ser atraídas por matéria orgânica em decomposição. Os insetos foram coletados em 12 locais diferentes do Brasil e dos Estados Unidos durante o pós-doutorado de Junqueira – realizado na Unicamp com apoio da FAPESP. Nos arredores de Campinas, a coleta foi feita em um hospital público, um mercado de comidas, um parque de área urbana e um lixão. Também foram realizadas coletas em uma reserva natural da Floresta Amazônica e em seis estábulos de diferentes espécies de animais criados no campus da PennState University, em University Park, Pennsylvania. Uma linhagem foi mantida em um laboratório do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG/Unicamp) como controle. Originalmente, contou Junqueira, o objetivo do projeto era sequenciar o genoma mitocondrial de 20 espécies de moscas pertencentes à ordem Diptera, bem como estudar a evolução desses insetos com auxílio de plataformas de sequenciamento de nova geração. “No início, tive certa dificuldade para sequenciar determinados fragmentos do genoma. Posteriormente, conheci Stephan Schuster, na época professor da PennState University, que se interessou pelo trabalho e decidiu colaborar”, contou Junqueira. Schuster propôs que a melhor maneira de mapear o genoma mitocondrial seria sequenciar tudo que havia nas moscas coletadas, inclusive a microbiota por elas transportada, e depois filtrar os genomas associados (metagenoma) durante a etapa de análise dos dados. “Primeiro sequenciamos apenas a cabeça, depois o tórax, o abdômen e, por último, patas e asas”, contou a pesquisadora. Após terminar o pós-doutorado, Junqueira trabalhou com Schuster nos Estados Unidos para fazer a análise do metagenoma. Para isso, foi necessário desenvolver novas técnicas, de modo a otimizar o tratamento e a categorização do imenso volume de dados gerados pelos métodos de sequenciamento de nova geração. “Por meio de análises estatísticas dos microrganismos encontrados, foi possível separar as moscas de ambiente urbano, as da Amazônia, as de ambiente rural e as de laboratório. Isso mostra que o ambiente tem um peso muito maior na modulação do microbioma do que a espécie em si”, disse Junqueira. De acordo com a pesquisadora, o número de patógenos encontrados nas moscas de ambientes urbanos foi muito maior que nas demais, provavelmente porque nesse ambiente há maior quantidade disponível de lixo e de matéria orgânica em decomposição. “O grande problema é que esses insetos comutam facilmente entre um ambiente sujo, como um lixão, e o churrasco das nossas casas. Nas moscas coletadas dentro do hospital, por exemplo, encontramos bactérias responsáveis por dois terços das infecções hospitalares do mundo”, disse Junqueira. Além das bactérias patogênicas para humanos, acrescentou a pesquisadora, também foram encontradas espécies que podem causar doenças em animais e em plantas. “Defendemos a hipótese de que esse tipo de inseto pode ser usado como sensor ambiental e ajudar a predizer surtos, principalmente em regiões de fronteira, portos, aeroportos. Poderíamos monitorar a contaminação dos ambientes por meio da análise do microbioma das moscas”, afirmou a pesquisadora. Aedes – Atualmente no Singapore Centre on Environmental Life Sciences Engineering, Schuster e Junqueira estão usando a mesma abordagem criada no estudo com moscas varejeiras para investigar o microbioma do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. “O objetivo é ver se há diferença entre os microrganismos encontrados em mosquitos infectados pelo vírus da dengue e os não infectados. O estudo ainda está no começo e, por enquanto, só trabalhamos com espécimes de laboratório. Mas já vimos diferenças entre as bactérias existentes nesses dois grupos”, explicou a pesquisadora. No futuro, os cientistas pretendem investigar a possibilidade de inibir a infecção do mosquito pelo vírus por meio da modulação do microbioma existente em seu corpo. Paralalelamente, Junqueira também colabora com pesquisadores do Laboratório de Genética e Evolução Animal do CBMEG/Unicamp, liderado pela professora Ana Maria Lima de Azeredo-Espin. O grupo analisa microRNAs de diferentes espécies de moscas varejeiras e pragas da pecuária para tentar entender a regulação de genes envolvidos no hábito alimentar desses insetos, com o apoio da FAPESP. “O estudo poderá gerar dados a respeito de fatores genéticos das moscas que estão associados à atração por matéria orgânica em decomposição ou tecidos vivos, além de proporcionar dados fundamentais para o estudo da interação hospedeiro-microbioma”, contou Junqueira. (Fonte: Agência FAPESP)

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