domingo, 1 de dezembro de 2013
Um inesperado avanço climático para o Sul
Varsóvia, Polônia, 26/11/2013 – As negociações para se chegar a um tratado internacional contra a mudança climática, que vinham mal encaminhadas nas últimas semanas, deram uma vitória inesperada ao Sul em desenvolvimento: haverá um mecanismo para financiar danos e perdas dos desastres atribuíveis ao aquecimento nos países pobres.
Os grupos do Norte industrializado e do Sul em desenvolvimento – liderados, respectivamente, por Todd Stern, dos Estados Unidos, e Sai Navoti, de Fiji – precisaram de duas semanas e 36 horas de negociações para chegarem a este ponto, no dia 23, em Varsóvia, por ocasião da 19ª Conferência das Partes (COP 19) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
Os países do Sul, com 80% da população mundial, conseguiram selar a criação do instrumento de danos e perdas como um terceiro pilar do tratado que deverá ser adotado em 2015, junto com a mitigação (redução da contaminação que aquece a atmosfera) e adaptação aos impactos da mudança climática. Os efeitos do tufão Haiyan – que passou pelas Filipinas dias antes da abertura, no dia 11 deste mês, da COP 19 – ilustrou com juros a realidade dos danos e das perdas provocados pela mudança climática.
Ainda há muito por definir. Os impactos climáticos geram tanto perdas econômicas quanto extraeconômicas, incluindo o crescente fenômeno dos refugiados, das pessoas que são obrigadas a mudar porque as novas condições já não permitem que sobrevivam em seus países de origem. “Essa decisão de Varsóvia sobre perdas e danos é um grande avanço”, disse à IPS o pesquisador bengali Saleemul Huq, do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, da Grã-Bretanha. Contudo, “ainda resta um longo caminho para se alcançar um tratado climático efetivo”, ressaltou.
Os resultados da COP 19 são mistos, afirmou Alden Meyer, diretor de estratégia e política da União de Cientistas Preocupados, que participou de quase todas as negociações sobre o clima nos últimos 19 anos. O avanço sobre “perdas e danos é grande, mas temos apenas o mínimo, temos que seguir adiante”, destacou à IPS.
As negociações da Organização das Nações Unidas conhecidas como COP (Conferência das Partes) fazem parte de um processo complexo e carregado de siglas para chegar a um novo tratado sobre o clima, para que o aquecimento global não passe dos dois graus neste século, e para ajudar os países mais pobres a sobreviverem às consequências.
Em 2009, nas pouco exitosas negociações de Copenhague, os países ricos chegaram a um acordo que, nos fatos, equivalia a dizer aos pobres o seguinte: “Daremos a vocês milhares de milhões de dólares para a adaptação, com um aumento gradual de até US$ 100 bilhões em 2020. Em troca, nossa mitigação consistirá em pequenas reduções de dióxido de carbono (CO2) em lugar dos grandes cortes que deveríamos realizar”.
Uma parte desse dinheiro para a adaptação dos países pobres fluiu durante os três primeiros anos, mas em grande parte já terminou. Supunha-se que, em Varsóvia, a COP 19 estaria dedicada às finanças para que apareça o dinheiro prometido, mas isso não aconteceu. Alemanha, Suíça e outros países europeus se comprometeram a entregar US$ 110 milhões ao Fundo Verde para o Clima.
As nações em desenvolvimento procuravam uma garantia de que receberiam US$ 70 bilhões até 2016, mas se depararam com o bloqueio de Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, entre outros países. “Os governos ricos se negaram a reconhecer a responsabilidade legal e moral que têm de proporcionar o financiamento climático internacional”, afirmou Lidy Nacpil, diretora da Jubilee South, uma organização contrária ao pagamento da dívida externa dos países do Sul em desenvolvimento.
O pilar da mitigação é ainda mais instável. O Japão afirmou que não pode cumprir com a redução prometida de suas emissões de gases-estufa e adotou um objetivo extremamente baixo. Canadá e Austrália fizeram caso omisso de seus compromissos de redução e estão aumentando sua contaminação. Pouco mais da metade das emissões anuais de CO2 vêm do Sul. Em Varsóvia, os grandes emissores, como China e Índia, se negaram a assumir objetivos de redução específicos. Por outro lado, acordaram fazer “aportes”.
A definição das quantidades e dos prazos de redução concretos foi adiada para uma reunião convocada especialmente para o dia 23 de setembro de 2014, em Nova York. “Precisamos que essas promessas se transformem em medidas reais para mantermos abaixo de dois graus o aumento da temperatura, acordado internacionalmente”, disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
No contexto da iniciativa Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação das Florestas (REDD) foi acordado proporcionar uma compensação aos países que perdem renda por não explorarem suas florestas. O desmatamento e a conversão de florestas em terras de cultivo contribuem com aproximadamente 10% das emissões totais de CO2 de origem humana.
“Agora temos um sistema para colocar em prática a REDD e reduzir as emissões”, disse Victoria Tauli Corpuz, representante indígena das Filipinas. A REDD é um pacote que inclui verificação, supervisão e garantias para as comunidades locais. Os países deverão implantar estes três elementos para terem acesso ao financiamento, seja por meio do Fundo Verde para o Clima ou dos mercados de carbono, explicou Corpuz à IPS. “Com sorte, injetará uma grande quantidade de dinheiro nas comunidades locais e se reduzirá o desmatamento”, pontuou.
Respeitar os direitos territoriais das comunidades locais para favorecer o cuidado das florestas é crucial para que a REDD funcione e beneficie os habitantes e não as grandes empresas ou os governos. As emissões procedentes do desmatamento diminuem lentamente. Porém, a grande maioria de CO2 provém da queima de combustíveis fósseis, especialmente do carvão, e continua aumentando. Essas emissões esquentarão o planeta durante séculos e, no entanto, os governos gastam mais de US$ 500 bilhões para subvencionar as indústrias que as geram, destacou Kumi Naidoo, diretor-executivo da organização Greenpeace International.
“As corporações sequestraram a democracia”, afirmou Naidoo à IPS. “Enquanto ativistas e manifestantes são presos, os verdadeiros vândalos são os presidentes das empresas de combustíveis fósseis”. O único caminho que resta é a desobediência civil, e 2014 será o ano do ativismo climático, acrescentou. “Agora é o momento de colocarmos nossas vidas em jogo e enfrentar penas de prisão”, ressaltou Naidoo.
Mais de 800 representantes da sociedade civil deram o primeiro passo em Varsóvia, quando abandonaram as negociações em seu penúltimo dia, “em protesto contra os países industrializados que colocam em perigo a ação climática internacional”, declararam. Enquanto o processo diplomático avança a passo de tartaruga, os cientistas mostram crescente alarme pela evidência de que a mudança climática está ocorrendo mais rapidamente e com maiores repercussões do que o projetado.
Para não perder as possibilidades de manter o aumento da temperatura abaixo dos dois graus, os países ricos devem reduzir suas emissões de CO2 em 10% ao ano a partir de 2014, assegurou Kevin Anderson, do Centro Tyndall para a Pesquisa da Mudança Climática, na Universidade de Manchester, na Grã-Bretanha. “Ainda podemos chegar a deter o aumento em dois graus, mas não da forma como vamos”, alertou Anderson por ocasião da COP 19. Seu questionamento foi sobre o porquê de os negociadores não assumirem a realidade de que é demasiado tarde para mudanças graduais. “Me assombra não haver uma sensação de urgência aqui”, opinou Tyndall à IPS. Envolverde/IPS
(IPS)
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