A questão ambiental está deixando o plano da conscientização para virar lei no Brasil. Após 19 anos de tramitação, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que determina a responsabilidade de toda a cadeia produtiva sobre o processo de coleta, reciclagem e restituição dos descartes sólidos incluindo eletroeletrônicos -, foi aprovado na Câmara dos Deputados em março, segue para o Senado e deve entrar em vigor até o início de 2011. Este processo pode ser acelerado com a intenção do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em estabelecer uma resolução similar, bem como com iniciativas do Estado de São Paulo para começará a definir metas para o descarte de lixo eletrônico.
Em um País que registra mais de 10 milhões de microcomputadores vendidos ao ano e que possui 179 milhões de celulares habilitados, com um índice de renovação de aparelhos a cada 18 meses, não é surpreendente que o potencial de geração de lixo eletrônico tenha chamado a atenção da Organização das Nações Unidas (ONU).
A explosão de consumo das nações emergentes fez com que a ONU emitisse um alerta em fevereiro deste ano: China, Índia, além de África e América Latina estarão entre os principais geradores do lixo eletrônico no mundo na próxima década. O diferencial positivo do Brasil, segundo o relatório, é a possibilidade do País implantar novas tecnologias de reciclagem por ainda ter um mercado do tipo informal e pequeno.
Se a regulamentação ambiental tira o atraso de empresas brasileiras e multinacionais em relação a práticas estabelecidas há anos em países da Europa e nos Estados Unidos, também pressiona toda a cadeia produtiva e de distribuição a seguir diretrizes ambientais e investir pesadamente em políticas sustentáveis para não perder mercado. Quem não cuidar do e-lixo será, literalmente, descartado, alerta o diretor executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), André Vilhena. Segundo ele, o plano valoriza empresas que adotam práticas sustentáveis junto ao consumidor. “As empresas que investem em ecodesign e reciclagem tinham um diferencial competitivo negativo, que deve ser equilibrado com a legislação”, afirma Vilhena.
Na visão da Itautec, que possui uma política de reciclagem do ciclo de produtos desde 2003, o PNRS traz conceitos diferentes de responsabilidade compartilhada ao setor. “Fabricantes, distribuidores, consumidores e governo têm uma parcela de responsabilidade”, ressalta. “Não adianta o fornecedor criar uma polícia de coleta se o consumidor não participar”, acrescenta.
Os exemplos de adoção de políticas sustentáveis entre empresas como Dell, HP, Itautec, Nokia, Positivo e mais recentemente da Philips, também vão ajudar a detalhar as regras do PNRS para cada setor. “O texto é abrangente e depende de acordos setoriais. Estas experiências vão ajudar na elaboração dos acordos”, afirma.
Os exemplos práticos de empresas de eletroeletrônicos no Brasil revelam que o marco regulatório ambiental exige uma série de definições. Entre elas estão custos de transporte e tributação de resíduos em um país com dimensões continentais, conscientização do consumidor sobre descarte, geração de mão-de-obra, formalização de empresas recicladoras, fiscalização e punições.
Tudo se transforma
O que já é certo no mercado é a abertura de oportunidades para companhias que investem em separação e reciclagem de componentes eletrônicos, como Umicore e Oxil. “Hoje, poucas empresas nos procuram pela falta de exigência e legislação para o tema”, afirma a diretora executiva da Oxil Manufatura Reserva, Akiko Ribeiro. “A partir da aprovação da lei acreditamos que haverá maior procura”, observa a executiva.
Com a nova legislação, essas companhias devem elevar ganhos de escala na extração de metais nobres contidos especialmente em placas eletrônicas e na reutilização de materiais. Ouro, prata, paládio, alumínio, cobre, estanho e zinco estão entre os metais nobres e básicos extraídos entre mais de 60 componentes encontrados em celulares, baterias e placas de circuito impresso reciclados pela Umicore Brasil. Para chegar aos metais que a empresa comercializa no mercado internacional, eletrônicos de empresas como Itautec e Motorola são separados localmente e seguem para o efetivo processo de recuperação na sede da empresa na Bélgica.
“Chegamos a reciclar até 17 tipos de metais diferentes para extrair um metal nobre”, informa o gerente de desenvolvimento de negócios da Umicore Brasil, Ricardo Rodrigues. Neste processo, também é preciso contabilizar o descarte dos metais pesados e prejudiciais ao meio ambiente como chumbo, cádmio, arsênio e mercúrio, observa o executivo. “O valor do metal que conseguimos extrair depende do lote. Como nosso interesse é somente o metal, lotes com celulares mais novos, que possuem maior quantidade de plástico, podem não compensar o processo”, afirma.
Com a nova lei de resíduos sólidos, a empresa também espera elevar o volume de itens reciclados no Brasil. “No ano passado exportamos em torno de 200 toneladas de materiais eletrônicos, um crescimento de 30% em relação a 2008″, compara Rodrigues. Já a Oxil recicla uma média de 800 a 1,2 mil toneladas mensais de componentes de eletroeletrônicos, incluindo monitores, de 50 empresas clientes incluindo HP, Lexmark, Mabe e Philips.
Para estas empresas, que investem pesado na recuperação de matérias-primas de eletroeletrônicos, a pedra no sapato são os recicladores informais, que hoje recebem 90% dos eletroeletrônicos descartados no Brasil, segundo estimativas da Hewlett-Packard. Na avaliação de Rodrigues, o PNRS deve estabelecer maior fiscalização e controle sobre quem manipula material reciclado, incluindo uma certificação rigorosa dos parceiros de reciclagem.
“Uma coisa é mandar uma empresa fazer a descaracterização e dizer que destinou. Outra é a empresa informar para qual reciclador enviou a placa, o componente de plástico e saber como ele descarta o resíduo. É importante ter um processo transparente”, defende.
Geração de empregos
Na visão da professora Tereza Cristina Carvalho, que dirige o Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (Cedir) na Universidade de São Paulo (USP), a legislação abre oportunidades de emprego na separação de componentes recicláveis de eletroeletrônicos. “Quanto melhor classificado o material, mais valor ele tem no mercado”, pondera.
Tendo em vista que o mercado de reciclagem de eletrônicos no País ainda é recente, há espaço para que empresários recebam incentivos neste setor, destaca o gerente de sustentabilidade da Itautec, João Redondo. “Embora o relatório da ONU indique um grande volume de geração de resíduos no Brasil, o mercado ainda não atraiu ninguém que recicle placas no Brasil e esse é o material mais nobre em geração de resíduos em um computador”.
No início de abril, o Cedir começou a receber doações de eletrônicos de pessoas físicas e a ampliar os postos de coleta em outras unidades de ensino ligadas à USP. Com a operação de coleta, separação e venda de materiais recicláveis, o centro espera recuperar, em três anos, o investimento realizado na infraestrutura de reciclagem, mas precisa ampliar sua equipe.
A ideia de gerar empregos na área de reciclagem de eletrônicos foi um dos motivadores da criação de um Laboratório de Sustentabilidade (LASU) na USP.
Entre abril e maio deste ano, o LASU começará a promover pesquisas ligadas à reciclagem de eletroeletrônicos e incentivar a iniciativa privada da elaboração de projetos sustentáveis.
O descarte de pequenos volumes é problema no País, há uma exigência mínima de volume de resíduos eletrônicos para venda para grandes recicladoras, observa Tereza. “Não adianta juntar quilos. As empresas aceitam duas toneladas de resíduos, no mínimo – é muito volume para componentes plásticos, por exemplo, o que gera o problema de armazenamento”, afirma a diretora do Cedir.
“Como o Brasil é o país emergente que mais gera lixo eletrônico – meio quilo de e-lixo por pessoa ao ano, enquanto a China, em segundo, gera 230 gramas acho que conseguiria encabeçar a dianteira da reciclagem do lixo eletrônico, se as empresas souberem aproveitar as oportunidades”, analisa Tereza.
Atualmente, a diretora do Cedir discute um projeto de capacitação de jovens para o primeiro emprego na separação de materiais recicláveis, junto ao Projeto Jovem Aprendiz e a uma grande rede varejista brasileira cujo nome ela não quis revelar.
Tributação verde
Para incentivar empresas que investem ou terão de planejar seus orçamentos para criar redes de coleta, logística reversa e conscientização do consumidor, o setor eletroeletrônico pede uma contrapartida em incentivos fiscais. O comitê de empresas de eletroeletrônicos criado pelo Cempre, em outubro de 2009, para acompanhar as discussões sobre reciclagem no País, propõe créditos em IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para cada tonelada reciclada na produção do material novo, informa André Vilhena.
Em meados de março, o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também destacou a importância das medidas econômicas para incentivar políticas de reciclagem, como a aplicação de impostos diferenciados para produtos que consomem menos energia e usam materiais reciclados.
“A economia tem de entrar no clima”, defendeu Minc. Segundo ele, a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para Estados que abrigam programas de reciclagem também vem sendo discutida junto ao Ministro da Fazenda, Guido Mantega, especialmente para os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que possuem mais atividade na área. “Mas estamos trabalhando com cautela para evitar uma guerra fiscal ambiental”, ponderou.
Outra questão ligada a impostos é a tributação que reincide sobre os eletroeletrônicos em forma de resíduos. Na Ericsson, a política de coleta (take back) de equipamentos vendidos a operadoras envolve a emissão de uma nota fiscal do cliente atestando que o equipamento é um ativo em descarte, explica o gerente de sustentabilidade da empresa, Jesus Luz. “A operadora vende o equipamento descartado para a Ericsson como sucata”, conta.
Na avaliação de João Redondo, da Itautec, a nova política de resíduos também vai ajudar os estados a legislar sobre o assunto de maneira uniforme, simplificando a criação e o cumprimento de normas. “Temos 16 Estados tentando legislar sobre eletroeletrônico com diferentes exigências legais e que não se falam”, explica.
Meta estadual
A criação de metas de reciclagem para cada setor da indústria é outro fator não contemplado pela legislação nacional, mas figura em nova resolução paulista sobre a destinação do lixo sólido (resolução 24/2010). A determinação faz parte da Lei Estadual de Resíduos Sólidos (Lei Estadual nº12.300) assinada pelo Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, em 30 de março.
Ela define que o fabricante, importador ou canal de distribuição que comercializa produtos nos limites do Estado ofereça informações ao consumidor sobre o descarte correto do produto, crie uma rede de coleta e destinação e declare mensalmente os resíduos destinados à reciclagem em relação ao volume colocado no mercado. “Queremos é que indústria provoque uma lógica econômica neste mercado”, afirma o coordenador de Planejamento Ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA), Casemiro Tércio Carvalho.
Segundo ele, as metas de cada setor serão estabelecidas até o fim do ano, em consulta com entidades setoriais como a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). “No mercado de garrafas PET, por exemplo, sabemos que o índice de reciclagem está acima de 53% no Brasil”, afirma. O cumprimento da nova lei será fiscalizado pela Cetesb e as empresas que não se adequarem estão sujeitas a multas medidas em Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP), no valor de 15,85 reais cada. O objetivo principal, ressalta Carvalho, não é multar. “O pano de fundo é melhorar indicadores de reciclagem. Não adianta sair multando”, pondera.
Na avaliação de Carvalho, a nova resolução também deve colaborar com a coleta de microcomputadores sem marca, que podem ser levados para reciclagem em grandes redes varejistas, por exemplo. “É uma solução que valoriza o ponto de venda dessas empresas”, ressalta. Neste sentido, a SMA tenta firmar acordos com a Associação Paulista de Supermercados (APAS) e iniciou contatos com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio).
Greenwash
A nova legislação nacional também deve limpar o mercado brasileiro do marketing verde de fachada, mais conhecido como greenwash, alerta o diretor de operações da HP para o Mercosul, Kami Saidi , que é responsável pela sustentabilidade ambiental da empresa. “Há empresas que vendem a ideia de sustentabilidade, mas não aplicam os processos corretos”, critica. Na visão de Saidi, com as novas regras do governo, a separação entre o marketing e a prática sustentável deve ficar mais visível ao consumidor. “O fato de você plantar uma árvore para cada produto vendido não é sustentável.Você pode estar fazendo bem à natureza, mas tem de contar ao cliente o que está fazendo com o seu produto”.
O Greenpeace está na cola das empresas que não cumprem metas de redução de componentes tóxicos em seus equipamentos. Além de divulgar seu ranking verde atualizado, a organização não-governamental chega a cobrar pessoalmente que as empresas sigam suas metas.
Com uma regulamentação, observam os especialistas, o grande ativista do mercado brasileiro será o consumidor. Além de questionar o destino ambiental da próxima máquina que adquirir para sua casa ou empresa, também será responsável pelo descarte adequado de seus eletrônicos. Redondo, da Itautec, acrescenta que grande parte dos clientes já tem colocado características ambientais entre as exigências para a aquisição de novos produtos, entrando em conformidade com características ambientais internacionais. “E não custa mais caro”, garante o executivo. O ciclo sustentável ideal, segundo ele, não deve afetar o bolso do cliente.
Campanhas de incentivo junto ao consumidor são fundamentais para que o ciclo de reciclagem ganhe força no Brasil, afirma o diretor de diretor de pós-venda da Nokia do Brasil, Luiz Xavier. “Hoje, apenas 3% dos aparelhos são destinados pelo consumidor para reciclagem. A empresa vai fazer o papel dela, mas o usuário também precisa ter um pouco de conscientização sobre a escolha e o descarte destes produtos”, completa Ricardo, da Umicore. “Um pequeno gesto faz com que a gente faça a coisa certa”, finaliza.
Fonte: IDG Now
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